Brazil - Felipe Corrêa
Interview Details
- Region: South America - Brazil
- Language: Portuguese
- Interviewee: Felipe Corrêa
- Interviewers: Bruno Fiuza & Marcio Bustamente
- Date: May 23 2019
- PGA Affiliation: Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)
- Bio: Masculino. 40 anos. São Paulo, São Paulo, Brasil.
- Audio File: https://www.dropbox.com/s/aq241txxg95ox0m/Entrevista%20-%20Felipe%20Corr%C3%AAa%20%28S%C3%A3o%20Paulo%29%20-%2023.05.2019%20-%201.MP3?dl=0
- Transcript: https://www.dropbox.com/scl/fi/5yhl8m4qe1ao5pxn6gsm1/PGA-Brazil-4-Felipe-Corr-a-S-o-Paulo-23.05.2019.docx?dl=0&rlkey=mese94llt4rr9vpt14a0oxbbw
Transcript
Entrevistadores: Bom, a gente queria começar, Felipe, fazendo algumas perguntas pra te identificar, tá?
Felipe Corrêa: Tá.
Entrevistadores: Tudo bem por você a gente usar seu nome real? Não tem problema?
Felipe Corrêa: Pode usar Felipe Corrêa.
Entrevistadores: Tá bom. Felipe Corrêa. Idade?
Felipe Corrêa: Hoje, estou com 40.
Entrevistadores: Gênero?
Felipe Corrêa: É, masculino.
Entrevistadores: Cor?
Felipe Corrêa: Branca.
Entrevistadores: Ocupação?
Felipe Corrêa: Professor.
Entrevistadores: Então, vamos lá. A gente sempre começa pedindo pro entrevistado contar um pouquinho… pra você contar um pouco da sua trajetória pessoal, como você se tornou um militante…
Felipe Corrêa: Tá. Bom, a minha trajetória tem a ver com uma história que, em primeiro lugar, ela é familiar, né? Então, o meu contato, ele começa cedo, com essa coisa da política, com a minha avó e a minha avó me apresenta, um livro que foi particularmente importante pra mim, que foi o Brasil Nunca Mais. E, aí…isso eu tinha 12, 13 anos, né? Foi um livro que me impressionou muito, assim, na época, e a partir daquilo eu comecei a ter uma visão já mais de esquerda…então, por exemplo, na escola, gostava das matérias que tratavam desses temas mais sociais e, aí, teve uma segunda coisa, que foi importante pra mim, que foi a música. Então, com essa idade aí também, 12, 13 anos, eu já estava começando a tocar, né? E, aí, eu tocava – toco ainda, né? – bateria e, aí, nessa época eu já comecei a ter banda, né? E, aí, eu tinha uma banda já, quando eu tinha 13 anos, e, aí, eu já me lembro que, nessa fase entre 13 e 14 anos, já, plenamente, as letras todas já eram letras de temáticas, é, sociais e tal e, aí, eu tive essa aproximação com o mundo da música e isso me levou a uma aproximação distante, assim, mas com o que era, ali, o PT da época, é, por um lado, e depois, um pouco mais adiante, eu vou conhecendo literatura marxista e tal e acompanhando esse movimento dentro da música, né?
Entrevistadores: Desculpa te interromper. A gente tá falando do começo dos anos 90, aqui, mais ou menos?
Felipe Corrêa: Oh, deixa eu pensar, eu sou de 78. Oh, 78, né? 88, 98, é, começo dos anos 90, sim. Começo dos anos 90 e, aí, é, eu tive essa pequena aproximação, assim, com o PT e tal, e daí, dentro da música, eu fiz um movimento que foi do metal…Que era essa minha banda, que eu já tinha umas letras e tal. Eu comecei a ir pro hardcore, assim…Que tinha essa interlocução com o punk e tal, e aí, a partir daquilo, eu fui cair, lá pelos meus 18 anos, mais ou menos, no que era o punk straight edge, né? Então, eu sou de 78, é 96 isso. 96. E aquilo ali, cara, foi interessante, porque me abriu, assim, uma série de, de possibilidades. Então, pela via pessoal, eu já estava nessa coisa de ler a Caros Amigos; eu comprava os livros lá da Casa Amarela e, aí, pô, Batismo de sangue, biografia do Marighella e consumindo já o Arbex, pra cacete e tal, e aí, é, esse meio aí do, do straight edge era um meio muito politizado ali, na época, e eu comecei a frequentar e aí eu consumia música e consumia essa coisa da política, né? E, aí, é, foi a partir de um evento desses, ali, que eu vi, se não me engano, era o Rodrigo Rosa falando e ele estava fazendo uma fala sobre essa ideia dos Dias de Ação Global e tal, e aí estava no comecinho da Internet, né? É, justamente, enquanto eu estava ali no meio da, dessa coisa do straight edge, eu tive acesso a uma lista do que eu estava organizando lá o S26. Na época, eu entrei, mas eu li umas mensagens e, aí, nessa época, eu vi o Rodrigo falando e, aí, foi quando eu me aproximei concretamente. Até então, eu tinha essa prática aí de…
Entrevistadores: Você começa sua vida de militante, de militância na AGP?
Felipe Corrêa: Sim…Sim. Eu tinha…leitura, eu tinha essas coisas, mas daí, é, aquilo ali me ofereceu uma oportunidade concreta de fazer alguma coisa organizada e tal, né?
Entrevistadores: E você participa da organização do S26… Já ou não?
Felipe Corrêa: Não. A minha a primeira reunião, que eu consegui ir na vida, foi uma reunião de avaliação do S26. Então, o S26 é 2000, né? Então, é, exatamente em 2000 que eu consigo ali…Ah, e aí tem outras coisas, né? Que é meio para…O S26 acontecia, essa reunião, ali, de avaliação, aconteceu do Centro de Cultura Social, que é um espaço anarquista, que era lá na Zona Leste, e que eu já tinha começado a frequentar também. Então, eles tinham uns eventos de final de semana lá, eu ia assistir umas palestras e tal, e aí, essa assembleia de avaliação do S26 foi lá e foi ali que eu tive o primeiro contato com as pessoas. Então, tinha um pessoal do hardcore, então, por exemplo, o Fred, né? Que fez os cartazes [da AGP] e tal, do Point of no return e tal, ele estava…
Entrevistadores: Que era do straight edge, inclusive, né?
Felipe Corrêa: Isso e, aí, ele estava nessa reunião – o Diego, um outro amigo nosso, colombiano, eu lembro que estava – e, aí, ali, eu conheci a galera que estava querendo criar o CMI, que era o Pablo, o Pietro, estava o Ivan, lá, que é o que fez o Twitter, lá. Então, estava toda essa turma e o pessoal da Baixada [Santista] e tal e etc. Então, aquilo ali foi o primeiro canal e era o mesmo momento que eles estavam montando aquele Instituto de Cultura e Ação Libertária e foi esse caldo aí, na verdade, e, em particular, essa aproximação do que era ali a AGP, Centro de Mídia Independente, com o ICAL e aquele caldo, que circulava, que me engajou…
Entrevistadores: Da organização do A20 você já chega a participar?
Felipe Corrêa: Já, já. A gente, aí, eu já participei…só que na época eu já trabalhava, né? É, já trabalhava bastante e tal, então, muitas vezes, por exemplo, eu fiz base, é, ou estava lá, ou fazendo base, ou fazendo outras coisas…, mas eu já estava, já estava bastante
Entrevistadores: Pessoal que estava circulando nessa cena, Felipe, é, você conseguiria dar uma…fazer um mapeamento pra gente? Da onde que essa galera tá vindo?
Felipe Corrêa: Consigo, cara. É, assim, oh, vamos pensar: a AGP teve momentos, né? Porque eu acho que foi acontecendo uma coisa, que inclusive eu critico, ali, num texto que eu fiz, que é assim…A coisa foi fechando, sabe? No começo era mais amplo, né? Então, no começo, quem que eu me lembro? É, aquele coletivo Alternativa Verde, da Baixada Santista; é, me lembro dessa turma que vai fazer o CMI depois; é, Ação Local, já num primeiro momento, e aí tem algumas pessoas, né? Por exemplo, Luciano Pereira, que hoje é professor da UNICAMP; Rodrigo Rosa…
Entrevistadores: Ah, o Luciano Pereira?
Felipe Corrêa: Luciano Pereira.
Entrevistadores: Era um que eu estava querendo entrevistar
Felipe Corrêa: É. A Ação Local teve dois períodos; o Luciano é um cara importante do primeiro período.
Entrevistadores: Quando que a Ação Local é criada?
Felipe Corrêa: Então, cara, eu, de cabeça, assim, eu não lembro… A gente podia depois tentar procurar, mas eu acredito que deve ser por volta de 2000.
Entrevistadores: Tá. Mais ou menos junto com a organização do S26.
Felipe Corrêa: Porque, se eu não estou enganado e isso precisaria talvez conversar com os mais antigos, o Luciano talvez saiba; o Rodrigo talvez saiba; a Bruna, que era companheira do Rodrigo à época. Eu acho que talvez aquele grupo informal, ali, constrói a Ação Local. Só que eu não sei em que momento aquilo se formaliza…Aí, então, é Baixada; aqui, em São Paulo, tinha uma certa participação dos trotskistas também, do…
Entrevistadores: Que era a Estratégia Revolucionária, né?
Felipe Corrêa: Que depois vai ser o MRT, né? E que eles saem, ali – eu lembro, na época, no ICAL, ali, quando eles saíram.
Entrevistadores: E era o Léo Pinho, nessa época, mais ou…
Felipe Corrêa: Não.
Entrevistadores: Não?
Felipe Corrêa: Eu lembro de reunião com o Edson.
Entrevistadores: Com o Edson, com a Simone, tá.
Felipe Corrêa: Edson e Simone e com outro que é um…você deve conhecer, cara, ele tem um nome, é um cara moreno, assim, é…
Entrevistadores: Meio alto, magro?
Felipe Corrêa: Ele tem um nome que é…eu lembro que quando eu ouvi o nome dele, é um nome meio diferente, assim…
Entrevistadores: Ah, não, eu lembrava de um chamado Guilherme, mas enfim, né?
Felipe Corrêa: Não, é um que tá até hoje, assim. E ele é, eu ele acha que numa manifestação do Rio [de Janeiro], enfim. E então eles participaram. Tinha um outro cara que era um casal, um loirinho, talvez seja esse cara aí. Ah! [Esse Léo?]
Entrevistadores: Que era…
Felipe Corrêa: É esse aí.
Entrevistadores: Que era straight edge, não era?
Talvez. Era um loirinho, cabelo raspadinho.
Entrevistadores: Skinhead, ele era, ele era skinhead…
Felipe Corrêa: E a namorada dele.
Entrevistadores: É. Skinhead vermelho, não era?
Felipe Corrêa: É. Então, esse pessoal, Cruz Negra Anarquista…um tantão de independente e eu acho que a Ação Local, né? E acho que meio isso, cara.
Entrevistadores: Nesse começo, tinha um pessoal do ABC ou não? Felipe Corrêa: Então, o pessoal do ABC acho que vai chegando também nessa época aí…Do A20 e tal, que era o ativismo ABC…E, aí, o pessoal que eu falei pra vocês, né? Guilherme, Mix, o Caio…
Entrevistadores: Os trotskistas se afastam por motivos…
Felipe Corrêa: Porque eu me lembro que deu uma confusão lá, numa assembleia, que eles publicam uma crítica do ato no jornal deles e o pessoal ficou bravo e tal, meio deu uma confusão lá, eles foram meio postos pra correr numa reunião que era do…no ICAL. E eu, mas que eu já acho que mostra um pouco dessa dificuldade de lidar com quem era diferente, assim, sabe?
Entrevistadores: E tinham grupos anarquistas especifistas nessa época ou não?
Felipe Corrêa: Tinha o Luta Libertária. Mas que participava eventualmente dos atos. O Luta Libertária, primeiro eles eram a Resistência Popular…Que existe desde o começo, participaram de vários desses atos, e o Luta Libertária é de 2002…É, eles acompanham, participam de ato, mas eles já tinham essa crítica. Que isso que eu acho que até comento, não sei se você tem um texto que eu até…
Entrevistadores: Sim, é aquela série de texto de 2011.
Felipe Corrêa: Não, mas não só esse.
Entrevistadores: Não?
Felipe Corrêa: Esse é um outro, que é…eu retomei esse texto, fui atrás e tal, e aí eu faço um pequeno prefácio – chama “Militância ou ativismo?” – porque uma é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Entrevistadores: Ah, não. Esse não…li o de 2011…esse que você tá falando, não.
Felipe Corrêa: Não, então, é esse e, e esse é do Luta Libertária e eu faço um prefácio contanto que, quando os caras fizeram, eu fiquei meio puto, assim, mas, ao longo do tempo, eu fui vendo que era exatamente aquilo.
Entrevistadores: Que eles tinham alguma razão [risos]
Felipe Corrêa: É. Toda a razão. Que eles falavam essa coisa de você se preocupar muito com os atos e, depois, ninguém fazia mais nada no cotidiano; você não tinha uma preocupação com esse enfoque de pensar quais espaços você queria tá, né? Você não tinha nenhum tipo de proposta de trabalho mais efetivo ou sindical ou comunitário, qualquer coisa assim. E eles criticavam isso. Então, assim, eles participavam, mas, é, nunca foram em assembleia; participavam dos atos e tal e tinham essa crítica, assim, de que, que era muito amiguismo…que, é, não tinha essa preocupação classista, que era uma coisa só voltada pros atos e não tinha nada fora dos atos, não tinha trabalho cotidiano e etc. e eles, é, batiam bastante nessa tecla. Dos que eu lembro, eu acho que era isso aí, cara.
Entrevistadores: E de você lembra de quais… da lista das mobilizações da AGP das quais você participou, assim ou, ou não? Pelo menos, as mais relevantes, assim, quais mobilizações?
Felipe Corrêa: Putz, não lembro muito, mas, assim, eu meio ajudei a construir ou participei de todas.
Entrevistadores: De todas.
Felipe Corrêa: Do A20 pra frente.
Entrevistadores: Até quando?
Cara, até quando miou, que também…2004. Sei lá, 2005. Aí precisaria pegar, por exemplo, aquele cronograma lá, do, do [livro] Estamos Vencendo…de todas aquelas eu participei. Então, sim, ou participei construindo ou fui ou estava na base, fazia muito essa função, de ficar – porque na época não tinha celular ainda, né? Ou não era comum, assim. Mas, aí, eu ficava muitas vezes no, no telefone do trabalho, assim. Fazendo essa coisa de base, ali e tal. E muitas vezes também na rua e, aí, nesse momento, eu começo a participar, a gente cria, ali dentro, uma segunda onda da Batucada. Porque aí existe, também é importante: de grupo que participava no começo, tem o pessoal da Verdurada, que era os straight edges, que são aquela primeira Batucada que aparece no A20, o pessoal de branco…
Entrevistadores: Não era o Batukação ainda?
Não. Essa bateria eu nem sei se tinha nome, mas eram os straight edges ali. Era o Luciano Lobinho, que, se você quiser, dá pra entrevistar; Fred, Jorel, é, e aquela bateria do A20 não era Batukação. Aí, não sei porquê cargas d’água, se eles se afastam ou eles não frequentavam as reuniões, sei lá, a gente começou a montar uma batucada depois do A20, ali, e que virou o Batukação e que eu vou fazer parte, tipo, então em ato, em geral, eu estou na bateria, assim. Não sei se você sabe, mas a, o Estamos Vencendo, aquelas fotos que abrem são minhas.
Entrevistadores: Ah, são suas as fotos?
Felipe Corrêa: É.
Entrevistadores: Eu não sabia.
Felipe Corrêa: Aquele 3, 2, 1 sou eu.
Entrevistadores: Ah, eu não sabia.
Felipe Corrêa: É
Entrevistadores: Ah, é você? Eu não sabia.
Então, você sabe…
Entrevistadores: Eu sei…
Felipe Corrêa: Quando você…3, 2, 1.
Entrevistadores: Eu vi foto sua que eu te identifiquei. Felipe Corrêa: Isso.
Entrevistadores: Mas o 3, 2, 1 eu não sabia que era você, não.
Felipe Corrêa: É, então, o 3, 2, 1 sou eu, assim.
Entrevistadores: Ah, que legal.
Felipe Corrêa: Então, em geral, em manifestação, eu estava sempre na bateria. O que era legal e não, porque também você não enxerga nada. Sabe, assim? Você não sabe se tem bastante gente, se tem pouca gente, pra que lado que…
Entrevistadores: [risos] Você tá preocupado com a bateria, né? [risos]
Felipe Corrêa: É isso. Mais nada e grande parte das minhas participações foi assim e na bateria e tal. Então, essa era mais ou menos minha função em ato de rua, né? Mas eu participei, assim, eu lembro, ALCA participei muito, da guerra do Iraque participei…
Entrevistadores: E a coisa da Starhawk? Sobre?
Felipe Corrêa: A coisa da Starhawk, cara, já é da minha época, mas eu não fiz lá o treinamento dela. É, que ela deu uns treinamentos de…
Entrevistadores: Isso é cabuloso. Treinamento dela [risos]
Felipe Corrêa: Não, eu acho que eu já trabalhava.
Entrevistadores: Sim, eu estou brincando.
Felipe Corrêa: Eu trabalhava de fim de semana e tal, era meio enroscado. Daí, eu já não, não… mas eu lembro que o pessoal tudo foi, acho que duas vezes ela teve aqui, se não me engano. Mas, aí, eu, assim, conheci… tive com ela, que ela ficou lá no Pablo e tal e, mas eu não fiz os [treinos]… Mesmo porque, cara, eu já era meio… eu, que vinha dessa onda meio punk, assim, hardcore, vamos dizer, e eu já achava as coisas dela meio hippie.
Entrevistadores: Meio hippie demais, né? [risos]
Felipe Corrêa: Aí eu já, eu tinha um pé meio atrás, assim, essa coisa de muito cirandeiro, né?
Entrevistadores: Ela é bruxa, né?
Felipe Corrêa: É, é, é. Mas, enfim, assim, lia as coisas dela e tal, mas não, não, não admirava, porque também tinha uma coisa importante nessa época, né? Aqui no…em São Paulo, principalmente, cara, a galera tinha um perfil um pouco diferente, assim, porque teve uma galera que, por essa influência do Centro de Cultural Social, do ICAL, Editora Imaginário, ali na época, a gente meio entrou nisso daí, mas a gente gostava de clássico anarquista, a gente gostava, então, até o pessoal brincava, falava que o CMI de São Paulo é o CMI mais anarquista do mundo. Porque a galera entrou meio nessa onda do Chomsky…da Naomi Klein…do Toni Negri, e a gente não.
Entrevistadores: Era uma coisa mais clássica.
Felipe Corrêa: Mais clássico. Gostava dos…tentava conciliar uma coisa com a outra, assim. Então, já tinha essa influência também mais anarquista.
Entrevistadores: As suas leituras pessoais já eram claramente anarquistas, assim ou ainda não?
Felipe Corrêa: Então, cara…Sim, mas a minha trajetória é, basicamente, a seguinte, né? Eu me formo na faculdade – eu fiz Comunicação, me formei Editor, né? E até ali, cara, eu só queria saber de música, não gostava de estudar e tal. E aí já trabalhava quando eu me formei e, aí, acontece um movimento, cara, que assim: o ano inteiro de 2000 e 2001, eu já estava metido na política. Estava lendo já muito anarquismo e tal, e eu não tinha um puto de grana, cara. Eu estava louco pra estudar e, daí, eu não conseguia. E aí, em 2002, cara, eu consegui um troco e fui fazer uma pós lá na Escola de Sociologia Política E aí, ali, que a minha vida acadêmica…começa quando eu, puta, eu começo a me interessar pra cacete e aquilo tinha um sentido, porque eu também estava na política e tal e, então, assim, eu sempre li, vai, até a faculdade ali, gostava muito de coisa de ditadura militar e tal, temas da esquerda mais ampliada; começo, nessa época do hardcore, punk, ali, a consumir essa coisa anarquista; então, essa época, eu lia já os anarquistas e lia também essa coisa do, os clássicos ali do movimento antiglobalização, né? Então, eu lia Chomsky pra caramba; lia Naomi Klein…
Entrevistadores: Mas a sua trajetória como estudioso do anarquismo vem depois?
Felipe Corrêa: Então, nessa época, eu estudei em 2002 e 2003, na Escola de Sociologia Política. Eu fiz uma monografia, que eu nem sei se você já viu, porque eu acho meio tosca, não disponibilizo [risos] mas é sobre o movimento antiglobalização, só que é, é assim: tem um capítulo lá, discutindo globalização neoliberal…Movimento de resistência eu discuto Seatle. Depois, se quiser, até te mando.
Entrevistadores: Ah, legal. Eu me interesso.
Felipe Corrêa: Eu acho meio água com açúcar. É o primeiro…
Entrevistadores: É, sim. [risos]
Felipe Corrêa: Negócio que eu fiz na vida, assim, e isso é 2003, né? Então, a minha pegada ali ainda não era…Anarquismo…
Entrevistadores: Anarquismo propriamente dito
Felipe Corrêa: Eu já lia, mas o meu, eu gostava muito, por exemplo, de economia. Michael Albert…gostava pra cacete. E, e também teve uma coisa que, em dois mil e… final de 2003 e 2004, a gente fundou a Faísca Publicações. E a gente começou a publicar esses caras que é justamente – se você pegar o começo do catálogo da Faísca, é exatamente esse meio termo.
Entrevistadores: É!
Felipe Corrêa: Entre o anarquismo e o…
Entrevistadores: E o anti, a antiglobalização.
Felipe Corrêa: Isso. Então, a [inaudível] a autogestão. É o Michael Albert, o Chomsky e o Pablo, mas também o Guillen…O Boockhin…E depois o Andrej Grubačić, que era um cara da AGP, mas que também era anarquista
Entrevistadores: Ou seja, vocês tinham essa clareza?
Felipe Corrêa: Sim.
Entrevistadores: Vocês tinham essa coisa de ter que fazer uma síntese da tradição e do que que estava aparecendo.
Felipe Corrêa: Sim, mas a gente tinha uma coisa meio juvenil, que depois, assim, a gente meio renunciou, que era essa coisa de “a gente quer coisa nova”. E tudo bem, a gente quer coisa nova e, depois, na verdade, quando eu falo que era meio juvenil é que, daí, a gente começou a perceber que várias discussões novas, na verdade já estavam lá atrás e tinham sido, às vezes, muito mais bem feitas do que o que estavam fazendo e, aí, a gente viu que, assim: “Legal, trabalhar coisa nova, mas, é, não é porque é novo que é bom, né?” Inclusive, a gente começou a perceber que vários dos novos, às vezes, eram muito piores do que os antigos. E aí a gente começou a fazer como a gente trabalha hoje, que é contemporâneo e clássico…
Mas era, eu acho que não era tão consciente a linha. A linha era fazer uma editora anarquista que publique coisa contemporânea, porque o que tinha era clássico e tal. Mas eu acho que aquilo expressava aonde a gente estava situado mesmo, que era esse meio de campo aí, entre o anarquismo e o movimento antiglobalização; uma preocupação com a teoria, que a gente teve, mas também uma preocupação prática, ali, na época e que não fosse uma coisa acadêmica e tal. E então, a partir dali, eu… o que acontece, né? Nessa época, eu já, eu prestava serviço pra indústria. Trabalhei já em telemarketing, quatrocentas mil coisas, e eu não tinha ideia de ser acadêmico.
Então, eu trabalhei a vida inteira e eu era autodidata e participava das coisas politicamente e tal; lia por conta, né? Então, nunca foi minha pretensão ser acadêmico, assim. Isso aí começou a ser uma possibilidade lá quando eu estava chegando perto dos 30, assim. Então, ali, era trabalho – trabalhava pesado, né? Já morava há muito tempo fora de casa e tal e era trabalho, militância e é isso aí, sim. Eu até acompanhava os amigos que eram acadêmicos, assim, mas eu me lembro – eu estava contando pra vocês, teve uma época que eu fui despejado dum apartamento que eu morava, eu fui morar no escritório da Ação Local, né? Quando eu ia na casa do Pablo, que estava o Emiliano, e eles entravam numas discussões do Adorno [risos] Cara, eu, tipo, ia dormir! [risos] Era muito pra mim.
Entrevistadores: Não fazia sentido, né?
Felipe Corrêa: Não, era muito. Eu falava: “Nossa, esses acadêmicos” [risos] “Os caras entendem duns assuntos” [risos] “Nossa!” [risos] E aí eu, então, é, eu nunca fui muito do…Do meio. Comecei a, na verdade, me interessar por e pensar que isso seria uma alternativa mais pra frente, quando eu comecei cansar da indústria automobilística, que era onde eu trabalhava; quando aquilo também começou a me gerar muito problema e tal, em função das minhas coisas políticas e tal. Então, num determinado momento, eu resolvi migrar pra…
Entrevistadores: Mas você trabalhava em chão de fábrica mesmo ou não?
Felipe Corrêa: Não, eu trabalhava num escritório administrativo aqui, da Peugeot, [uma] montadora francesa, e eu era, trabalhava dentro do marketing, ali, numa parte vinculada com estratégia, comunicação e tal e, e aí tinha uma coisa que era um pouco essa, o ambiente era muito ruim, né, cara? Empresa e também um pessoal de empresa e uma outra coisa, né? Já era militante e tal e, como eu sempre lidei muito bem com gente, tinha um movimento ali dentro que me enchia a paciência um pouco, que era assim: a empresa ficava pressionando pra eu subir.
Entrevistadores: E você não queria.
Felipe Corrêa: É e eu tinha limites, assim. O último cargo que eu peguei lá, eu falei: “Cara, esse é o último nível de onde eu não estou na parte de cima.”
Entrevistadores: Antes de mandar em alguém, né?
Felipe Corrêa: Não, de mandar em… de ser a voz da empresa.
Entrevistadores: Ter que vestir a camisa [risos]
Felipe Corrêa: É, porque, por exemplo, porra, eu fui, assim, eu fui, tive cargo de gerir gente e os cacetes. Eu tive um… durante bastante tempo, assim. E, aí, era um pouco essa contradição, né, cara? Porque, porra, não gostava da posição e, aí, é, a indústria começou a me, porra, me colocar ali numa posição de, puta, é isso, assim, eu queria fazer um programa pra entrar nuns cargo alto pra caralho e não sei o quê e tal, aí eu falei: “Ah, cara”, aí eu já estava estressado, não gostava do ambiente, me sentia desperdiçando conhecimento, tempo, tudo. E aí, falei: “Ah, quer saber, cara? Eu vou migrar” – que era uma coisa que já tinha passado na minha cabeça, só que eu sempre dependi da grana. Sustentava a minha mãe já, nessa época, e tudo. Então, é, nunca deu. Aí, depois que, é, quando, assim, a vida estabilizou um pouco, consegui guardar uma grana, aí deu pra fazer esse movimento…
Que tomou, tipo, vários anos também.
Entrevistadores: Uma transição mesmo, né?
Felipe Corrêa: Que foi fazer mestrado, doutorado. Vivi de bolsa uns tempos, não sei o quê. Aí, foi foda. Mas é isso: mudei total, mas hoje estou dando aula, professor pesquisador; estou muito mais, uma coisa muito mais conectada.
Entrevistadores: Do que, é uma coisa com o que você realmente faz sentido, né?
Felipe Corrêa: É isso, isso aí.
Entrevistadores: Mas sobre essa questão do [inaudível] você trabalha, pelo que eu vi [inaudível] é, como que você vê essa questão, essa ressurgência, não só nacional, mas geracional, do anarquismo no campo editorial, mas você a vê como reflexo do meados dos anos 90 pra cá?
Felipe Corrêa: Então…
Entrevistadores: Porque tem essa análise meio – que muita gente faz, né? “Ah, é ressurgimento do anarquismo”… Sei lá, como que você…
Felipe Corrêa: Ah, eu vejo que…Então, aqui, é, teve um papel muito importante dos editores anarquistas, aqui no Brasil, né? Então, eu, por exemplo, fui muito influenciado pelo Plínio, da Imaginário. Depois briguei com ele.
Entrevistadores: É mesmo? [risos]
Felipe Corrêa: Então, eu sempre tive uma, uma proximidade e eu acho que essa produção dele, aqui em São Paulo; do [Achiamé lá no Rio, que também tem vários companheiros que trabalharam com ele, revenderam livros e tal. Então, a gente foi uma geração, cara, que teve muita influência desses caras, vendendo livros deles, acompanhando trabalho… então, eu conversei muito, assim, é, eu sempre falo, né? Apesar d’eu ter rompido com o Plínio, né? Em função das posições políticas dele, atuais, né? Mas, é, porra, eu aprendi mais com ele a editar livro do que na faculdade de editoração, cara. Então, tipo, porra, ele que me ensinou como é que faz, o cuidado – ele sempre foi um cara muito cuidadoso, com tradução, com texto, com muita coisa de português também, ele que me ensinou e tal. Então, e eu percebo isso: a gente sempre, é, revendeu livro. Então, por exemplo, naquela época da AGP, tinha Carnaval Revolução, a gente frequentou e tal, porra, a gente sempre levava livro pra vender. Eu vendia livro na Verdurada… então, os livros, eles meio faziam parte da nossa realidade, primeiro, nesse processo de revenda. Lá no Rio, os colegas chegaram a trabalhar lá com ele e tudo, com o [Achiamé, né? E, aí, a partir do momento que a gente começa a criar as próprias editoras, né?
Entrevistadores: E a Faísca vem nessa…
Felipe Corrêa: Faísca vem, é, final de 2003 a gente começa a discussão; primeiro livro é de 2004. E isso depois vai tendo também…
Entrevistadores: Em termos de mercado, vocês notam uma extensão de demanda, assim?
Felipe Corrêa: Então…Só que o mercado mudou muito, assim. Isso também tem a ver com isso que você tá falando, porque o que que acontece, do ponto de vista do mercado, né? Ali nos anos, é, até os anos 90, você tinha uma dificuldade enorme de produzir o livro e uma facilidade pra distribuir. Então, assim, cara, na época, pegar os anos 90 ali, pra fazer, por exemplo, é, um livro, não tinha computador, cara! Você digitava na marra…Só que as livrarias eram o seguinte: você imprimiu, num primeiro momento, mais lá atrás ainda, os caras já compravam uma quantidade.
Entrevistadores: Ah, é?
Felipe Corrêa: É. Aí, o mercado começa a mudar, num determinado momento com a história da consignação. Então, assim, tudo bem, eles não compravam já de cara, mas eles consignavam e, assim, eles consignavam tudo que saía. O que que começa acontecer com o advento do computador e dessa facilidade de editar? Cada vez você vai tendo mais oferta de títulos, cara, e as livrarias vão se tornando mais restritas e, aí, os caras começam com um processo de seleção adentro, brutal, que hoje em dia, pra você pôr de consignação, é difícil pra cacete.
Entrevistadores: Você não entra, na verdade, né?
Felipe Corrêa: Não, é isso, é. A maioria não entra. Você entendeu? Pra você pôr de consignação e, se pá, o cara vender e te pagar.
Entrevistadores: Virou a lógica do supermercado, né?
Felipe Corrêa: É isso.
Entrevistadores: Pra você conseguir entrar no ponto de venda é um negócio…
Felipe Corrêa: É isso. Então, eu acho que reflete exatamente esse momento. A gente teve essa facilidade de produzir, então, todo grupo e, aqui, em São Paulo, é, enfim, a gente tem algumas experiências anteriores, por exemplo, a Index, lá do Rodrigo, que era mais tipo zine, e aí a Faísca a gente quis já fazer com uma carinha mais de editora mesmo e depois o que vai sendo, biblioteca e não sei o quê, com essa facilidade de produzir, só que, aí, o problema não vira mais fazer um livro, o problema vira…Fazer o livro existir publicamente. Que é o desafio que a gente tem hoje, né? E, com – nem vou entrar tanto nesse tema, que não é, mas, assim, vocês devem saber – o mercado editorial tá numa crise brutal. [inaudível] Cultura quebrando, Saraiva quebrando, é, eles não tão pagando as editoras; tem editoras com dívidas enormes; isso tá complicando; editoras quebrando, é, Amazon entrando agora, com uma concorrência supercomplicada; então, eu estou dizendo assim: o mercado, ele tá com muito mais oferta, mas pulverizado e esse quebra- quebra aí de, de livraria e a necessidade de pessoas cobrando o tempo inteiro, pelo menos, nas nossas experiências, assim, a gente já se, se lascou pra caramba e, puta, perdemos tanta grana que, hoje em dia, a gente quase não faz livraria, sabe? É, a gente vende pela, pela Internet. E a gente tem uma rede, por dentro lá da Coordenação Anarquista Brasileira, que todas as organizações têm banca, têm livro…Tudo. Então, a gente distribui por aí e vende pela Internet e tal e agora que a gente vai começar a editar uns títulos acadêmicos, a gente vai tentar pôr na Amazon, assim. Mas, é, mais ou menos por aí, assim.
Entrevistadores: Voltando um pouquinho pra, pra AGP – você acha que a AGP, na sua opinião, ela contribuiu para o estabelecimento de relações…A AGP contribuiu pro estabelecimento de relações de movimentos e coletivos brasileiros com coletivos de outros países? De que maneira?
Felipe Corrêa: Sim, é, eu acho que a AGP, ela, por mais que, né, hoje em dia, eu tenha um olhar com, é, uma certa crítica, né? Eu acho que, cara, sendo mais generoso, assim, ela formou uma geração, assim, no Brasil, né? Então… e uma geração de gente que, até hoje, tá por aí, cada um numa coisa, assim; um ou outro, é, mudaram de…Mudaram de, de posição, assim, mas toda essa geração é uma geração de gente muito bacana, do ponto de vista político, né? Então, acho que aqui no Brasil teve essa, essa, contribuiu muito, por exemplo, esses espaços físicos. A gente tinha, por exemplo, na época da AGP, ali, um escritório de mídia independente que era dentro do ICAL e, puta, a gente morava lá. Eu, quando eu não estava trabalhando, estava lá, entendeu? E a gente, porra, escrevia, fazia cobertura, traduzia coisa e, porra, criava um, um conjunto de relações e foi, e aquilo, em termos de Brasil, criou uma, uma rede mesmo e uma geração inteira de, de militante, de gente e tal. Com o exterior, cara, a coisa já é um pouco diferente, porque, é, o que acontecia, né, na AGP e nos grupos aqui, que tinham esse perfil mais autonomista, era exatamente aquilo que a Jo Freeman lá vai trabalhar como “A tirania das organizações sem estrutura”. Que que eu estou dizendo, né? A, não tinha muita política, então, a política era meio da cabeça de quem pensava política e com contato internacional – isso era outro gargalo, assim: acabava que quem falava em inglês e não sei o quê se punha na frente, concentrava as informações e aquilo ali meio…
Entrevistadores: Eram contatos pessoais, basicamente.
Felipe Corrêa: É, que, por exemplo, por mais que fossem ali dentro da organização, não é que você tinha uma deliberação de “Olha, vamos tirar uma política de relações com aquele grupo”. Era um cara ali, que era amigo do outro e se comunicava e a coisa ia meio por esses canais informais. Então, assim, havia relações com o exterior? Sem dúvida, havia. Eram relações entre organizações? Não muito. Era o contato ali. Por exemplo, aqui, em São Paulo, eu acho que Pablo e Toya eram os que mais tinham esse contato internacional e a gente também delegava algumas pessoas pra participar, por exemplo, no caso do centro de mídia independente, de listas internacionais e tal, mas – no caso da AGP – era mais contato da Toya, do Pablo, mesmo, é, eventualmente, contatos que eles faziam, que fizeram em viagem, por exemplo: eles foram pra aquele encontro de Cochabamba, na época; é, tiveram na Argentina, naquela época do 2001 lá…[inaudível] Aí, Pietro foi também, é, agora não me lembro mais quem, mas, é, me lembro de pouco retorno, pouca política; era uma coisa meio de contato e vai, não, não delibera nada, as pessoas fazem contatos ali, mais ou menos formais e informais; então, assim, sim, tinha contato, mas sem muita política por trás.
Entrevistadores: E mesmo nesses contatos, você sentia que havia tensões entre Norte e Sul global ou não?
Felipe Corrêa: Cara, eu nunca fiz esses contatos. Assim, eu nunca fui do grupo, por exemplo, no Centro de Mídia Independente, nunca fui dos grupos internacionais, porque, na verdade, cara, eu tinha um pouco de saco, assim, que eu achava que o pessoal internacional era muito esse perfil, ai, técnico, barra, acadêmico, barra, nerd. Tipo, nunca foi muito a minha, assim.
Entrevistadores: Não eram movimentos populares, de fato.
Felipe Corrêa: Não, né? Eu, eu olhava e falava: “Parece uns burocratas de ONG, assim” – sabe aquela coisa? E era meio isso, assim…Em geral, assim, lá fora e eu não gostava…
Talvez os meus maiores contatos, assim, com essa turma – porque eu falava outras línguas – foi no Fórum Social, assim, que eu intermediei uns debates, participei de uma mesa como o representante da AGP lá, com membros de outros países, naquele – eu, se eu não estou enganado – foi naquele Life After Captalism…Eu acho que foi num, lá, num painel ali, que estava eu, o Grubačić, uma gringa, chamada Vanessa, o Pablo, acho; Martim lá, que você escreveu o verbete da AGP. É. Então, tinha esses contatos, mas eu nunca, nunca tive muito esse… e eu acho que, na verdade, conflito não tinha, mas tinha um pouco essa coisa do primeiro mundo, assim, que era essa, vai, essa vontade de dar algum tipo de ajuda pro terceiro mundo e tal e, eventualmente, é, financiamentos que vieram ou coisas que aconteceram nesse sentido. Eu acho que tem a ver também com essa ideia de, é, suporte pro sul global e tal e acho que, nesse sentido, eles, é, tinham um pouco de, de solidariedade, um pouco de uma política que é nesse sentido, mas que eu também não sei até que ponto era de indivíduo, de grupo…Porque, por exemplo, isso talvez você saiba melhor do que eu, né? Eu nunca consegui entender porque a constituição da AGP tem organizações que formalmente fizeram etc. e tem uma outra história, que é de quem participou, né? [inaudível] o MST, por exemplo, eu sempre…
Entrevistadores: A gente descobriu a história do MST [risos]
Felipe Corrêa: Ah!
Entrevistadores: É, depois a gente conta [risos]
Felipe Corrêa: É, legal. Porque é isso: sei lá, tá lá o nome e nunca vi nada, né?
Entrevistadores: Sim, ahã.
Felipe Corrêa: E, então, eu acho que tem um, é, teve isso sim, mas, é, de qualquer jeito, eram relações muito informais, assim, muito; essa ideia da organização em rede, né? Ela, justamente, se, por um lado – aqui é um pouco do pano de fundo daquele meu texto, né? A crítica é boa. “Ah, a gente não quer relação no…, que a gente não quer mais esse modelo burocratizado e tal” e, aí, você joga num outro extremo que é essa ideia da relação em rede, mas que, no fundo, ela era muito pouco orgânica, né? Ela era de contatos esparsos, indivíduos e quem quiser…
Entrevistadores: Aí vira um grupo de amigo, né? Cai na [inaudível]
Felipe Corrêa: Virou, cai e com aquela coisa: você não dá peso para as coisas – que é um pouco a polêmica do sindicalismo revolucionário internacional hoje: você tem um grupo de três, um grupo de 300 e na conversa todo mundo tem o mesmo peso, sabe? E é isso: é o indivíduo, junto com o outro, que é grupo; outro que é, mas não é – que era um pouco o que era a assembleia ali da AGP. Tinha grupo mais organizado, que estava ali com discussão mais ou menos feita; o outro aparecia lá uma vez ou outra e também estava lá…
Entrevistadores: [risos] Dá o pitaco [risos]
Felipe Corrêa: E é isso aí, né? Vai todo mundo participa, então, eu acho que esse modelo não era só aqui no Brasil; as próprias relações internacionais também, pelo que eu percebi, assim, se davam nesse mesmo nível, sabe?
Entrevistadores: Queria aproveitar pra…uma expressão que você usou, você usou o termo autonomista e a gente queria, é, uma coisa que a gente tá perguntando pra todo mundo que a gente entrevista é como que você define, o que você entende por autonomismo?
Felipe Corrêa: Então, é, têm vários jeitos, né? De responder essa, essa pergunta, né? Tem talvez o jeito histórico-acadêmico aí, que eu iria, talvez os grandes nomes do autonomismo, que é, na verdade, esse marxismo mais heterodoxo; eu iria talvez na tradição do autonomismo italiano e etc., mas eu acho que isso teve, pelo menos aqui no Brasil e em São Paulo, teve um pouco de impacto. Vamos lembrar que o Pablo Ortellado, né, que era um membro importantíssimo aqui da AGP – se eu não estou enganado, ele que traduziu o manifesto e etc.; era do meu próprio grupo da, da Ação Local; era do Centro de Mídia Independente também, que eu fiz parte muito tempo, e, é, o que vai acontecer ali é que ele vai trazer um pouco essa contribuição de Castoriádis e tal. Então, que vem um pouco por aí. É, eu podia ir na definição mais anarquista de um autonomismo classista, essa ideia de entender a autonomia como independência de classe, etc., mas que eu acho que também não era a visão e tem uma visão que eu acho que foi sendo formada um pouco nesse meio de campo, juntando com a tradição do próprio movimento antiglobalização, com parte do que era o zapatismo e eu tento, eu tendo a trabalhar com esses movimentos, é, que são, é, menos hierarquizados, que lutam contra a desigualdade; que, ao mesmo tempo que lutam contra a desigualdade, são também movimentos, em certa medida, libertários. Eu gosto de dar o rótulo de isso pra “libertários”. Então, eu definiria o autonomismo como essa corrente ou essa prática, que se forma tanto no campo do pensamento quanto no campo da ação, né? De, é, grupos e indivíduos com uma perspectiva que eu situo nessa esquerda libertária, de práticas igualitárias; de práticas, é, que não visavam suprimir a liberdade em favor da igualdade, de luta antiburocrática, de luta antiautoritária, e que vai se formando com influências várias, assim. Então, dentro desse caldo da AGP aí, eu situaria desde coisas mais formais do marxismo, que, às vezes, vinham; coisas aí que, às vezes, pintavam por aqui e por ali, é, por exemplo, Foucault e coisas talvez, é, mais pós-modernas, assim, que vinham.
Entrevistadores: Aquela galera [?]
Felipe Corrêa: Isso, isso, e que isso aí vinha, aqui no Brasil, com pouca ênfase, porque a gente era mais, mais “modernão” – digamos assim – do que pós-moderno, né? Aí, vinha clássico anarquista; vinham esses libertários contemporâneos; então, esses libertários talvez tenham sido, pelo menos, pra mim tiveram muita influência, acho que pra gente. Então, assim, eu estou falando de Chomsky, estou falando de Jo Freeman, estou falando de Michael Albert, estou falando de Naomi Klein, estou falando do, das práticas zapatistas, é, então, esse universo libertário, ele vai formando muito do que é o autonomismo. Agora, importante notar também que existe uma diferença e uma prática que vai se criando que não necessariamente tá vinculada a essas influências teóricas, né? Eu acho que, quando a gente analisa práticas do movimento de resistência global, no Brasil e fora, isso não tá explícito nesses livros todos. Isso foi sendo criado por meio de uma cultura que – como eu exponho naquele texto – é, a partir de uma crítica que eu considero acertada, né? Uma crítica ao reducionismo de classe, uma crítica à burocratização, né? E uma crítica, enfim, a vários aspectos do que era a esquerda mais tradicional, assim, principalmente essa social-democrata, burocratizada ou leninista, né? Vai chegar num outro posto com concepções, que depois eu também fui vendo como problemáticas. Então, é isso, né? É, em vez de criticar a organização burocrática e jogar num modelo de organização libertária, você joga na antiorganização, né? Em vez de criticar a formalidade autoritária pra criar uma formalidade libertária, você joga na informalidade; você mistura muito essa ideia do pessoal como político, né? Então, num determinado momento, aquilo ali se torna um grupo de amigos, o que, sim, era muito legal, porque criei vínculos, por exemplo, que tem até hoje, a vida inteira, mas, por outro, dificultava a participação de pessoas que não faziam parte do grupo; dificultava, por exemplo, a gente tinha muita dificuldade com participação…Com participação, por exemplo, que a gente tinha, que era restrita do ponto de vista de idade; a gente tinha dificuldade de incorporar gente mais velha; a gente tinha dificuldade de incorporar gente que não tem, não vivesse nesse, nessa trajetória, nesse meio punk, ali, que a gente vivia e tal. A gente tinha essa dificuldade de lidar com grupos que não eram dentro desse universo libertário, como foi o caso lá dos trotskistas, sabe? Porque, justamente, não tinha muito projeto. Eu fico pensando hoje: porra, um projeto como esse – vamos supor, se eu tivesse construindo hoje – você tinha que pôr todo mundo que desse dentro, ali; viver com a diferença. Não é hora de discutir trotskismo e anarquismo dentro do projeto, ali; mas na época era isso, era esse amiguismo, essa politização do pequeno espaço e eu acho que isso contribuiu muito pra que o, o movimento fosse um movimento restrito, assim, do ponto de vista da participação mesmo, com algumas exceções, pra época, assim, as escalas eram grandes, mas – sei lá – manifestação de duas mil pessoas, pra gente, era um feito…
Entrevistadores: O A20 foi mais ou menos isso.
Felipe Corrêa: É, é. E hoje em dia, sei lá, duas mil pessoas é nada, né?
Entrevistadores: Agora, nesse campo, que você delimita, né? Que a gente chamou de autonomista, Felipe, é, você consegue ver convergência de algumas questões, por exemplo, concepção de evolução ou de utopia?
Felipe Corrêa: Cara, eu consigo, assim, consigo pensar o seguinte: pra mim, hoje, por exemplo, na política, quando a gente fala: “Ah, os caras são autonomista”, pra gente, a gente tá se referindo a esse modus MPL. De pensar, se organizar e tal, que tem similaridades, tem diferenças e eu acho que o – na minha visão – o MPL, ele é o filho mais legítimo da AGP, assim.
Entrevistadores: Você considera isso?
Felipe Corrêa: Considero, sem dúvida. E, aí, vocês entrevistaram o Legume, acho que…
Entrevistadores: É, ele considera também. [risos]
Felipe Corrêa: É, então, ele foi um dos que fez, que ele era, eu lembro dele. 15 anos, sei lá. Então, é, ele e outros, ali, eu mesmo dei formação, lá. Teve participação, é, Léo Vinícius e outras pessoas ali e eu acho que, pra mim, MPL é o filho legítimo que resolveu uma série de questões ali da AGP, mas conservou outras, né? Então, se eu tenho, é, eu tenho, é, eu imagino que, assim, eu tendo a pensar como um, é, esse modelo de prática de grupo da esquerda libertária, né? Que foi se resolvendo, por exemplo, com relação a essa ideia do trabalho cotidiano, que era uma coisa que não tinha e depois passou a ter; com essa ideia de, é, um grupo que consiga se expandir ali, pra além dos amigos, que tenha um programa mínimo e etc., mas eu acho que, é, a AGP tinha uma característica que, hoje em dia se mantém neles… que é essa coisa da falta de um programa um pouco mais estruturado, né? Então, você pergunta de utopia, de revolução, eu acho que isso é super plural ali dentro e eu acho que vale mesmo se a gente pegar o MPL, assim, tipo: tem gente ali dentro que tem uma concepção; outros é outra, mas aquele é um movimento social, né? Que tem ali. Então, eu via ali, às vezes, por exemplo, determinados projetos ali quando foi luta por tarifa zero ou quando foi, por exemplo, as discussões que eu acompanhei, né? Que também vi muito de longe, não sou nem de longe a melhor pessoa pra falar disso, mas a impressão que eu tinha é que continuava essa ideia do assembleismo, que é uma coisa que depois eu também fui fazer uma crítica grande, quer dizer, não é porque você é autogestionário que você tem que fazer essa lógica de todo mundo tem que discutir tudo, toda vez, o tempo inteiro, sabe? Você pode trabalhar com delegação; você pode ter instâncias que as pessoas participam e, enfim, depois vão responder para o coletivo, ali. Então, eu acho que tem essa coisa do assembleismo; tem conservado um pouco esse aspecto do amiguismo; tem, é, por exemplo, essa coisa que eu acho que a gente tinha muito na época, que era um pouco uma certa ingenuidade do ponto de vista político, sabe? De não saber ler conjuntura, de não pensar projeto e tal, que eu acho que o MPL caminhou bastante nesse sentido, mas eu acredito que eles conservam muito isso assim, também essa coisa de enunciar princípios que ninguém sabe direito o que é, entendeu? Tipo: “Ah, não, é autogestão, é autonomia, é horizontalidade” – você vai perguntar o que que é, tipo, cada um é uma coisa e…beleza e…
Entrevistadores: São palavras bonitas, né?
Felipe Corrêa: É! E até o Khaled – não sei se vocês conhecem – lá de Santa Catarina, um puta quadrão do MPL lá, né? Histórico, assim, e ele acabou de fazer um mestrado do MPL e tá aí comentando isso que ele falou: “Cara, eu li todos os outros trabalhos. Todo mundo ficava discutindo esses princípios”. Ele falou: “O meu é o primeiro trabalho que discute o porquê, assim.” “Por que luta por transporte?” “Porque bandeira da tarifa zero e não sei o quê e tal” e ele falou. É interessante porque eu acho que eram essas coisas que, em geral eram muito o que aparecia em panfleto e tudo, né? Então, a gente via isso o tempo todo essa preocupação, mas eu acho que são definições de princípios muito amplas assim e que, muitas vezes, não se concretizam muito que as pessoas entendem de maneira distinta e isso nem é visto muito como problema, é, é amplo mesmo, né? Então, quando a gente fala autonomismo, hoje, é esse pessoal libertário, mas com essa característica meio assembleista, dificuldades, às vezes, com questões de delegação, com questões organizativas, que consideram, muitas vezes, que os nossos modelos atuais de organização são tipo leninista e tal. É o pessoal que, geralmente, tem essa coisa contrário à organização política de qualquer tipo e tal. Então…
Entrevistadores: Necessariamente antipartidário?
Felipe Corrêa: Então, flerta geralmente com a esquerda partidária. No geral, né? Que é o que eu acho, assim: vai desde o pessoal mais anarquista até o pessoal que é mais PSOL, é mais esquerda do PT, é, caminham um pouco por aí, assim.
Entrevistadores: Você usou algumas palavras quando você estava definindo autonomismo, você falou em culturas, falou em modus operandi…você diria que o que a gente chama hoje de autonomismo, ela é uma cultura política nova no Brasil, que chega ao Brasil mais ou menos nessa época? Você faz, é, dá pra fazer essa leitura?
Felipe Corrêa: Dá e eu concordo 100%. Assim, se a gente for tentar entender a história política do Brasil, né? A gente vai ter, é, do período que a ditadura começa a abrir, né? A gente vai ter um fenômeno que é o direcionamento de todas as iniciativas políticas relevantes, ali, do período da abertura, né? E estou falando aqui de, de 68 e pouco, mas daí de 78 pra frente, né? Então, assim, novo sindicalismo vai canalizar pra dentro do PT; comunidades eclesiais de bases vão caminhar pra dentro do PT; é, ex-guerrilheiros ali dentro, a intelectualidade, etc., de maneira que, a minha geração, ela é a primeira geração que tá tentando construir uma alternativa libertária ao petismo. Né? Ou seja: a gente é uma geração que muita gente que foi petista, quando o PT não era governo, e a gente é uma geração que se frustrou com o que foi o PT no governo, né? Não no meu caso, já era anarquista na época, mas assim: muita gente que, de fato, naquela eleição de 2002, teve a expectativa de que talvez a coisa pudesse ser diferente e, mesmo com a posição um pouco mais crítica, foi vendo ali como é que as coisas foram caminhando. Então, sim, eu concordo que foi uma criação de uma cultura política e, pra mim, foi a primeira tentativa de criar algo no campo libertário, em contraponto a isso que existia na hegemonia da esquerda brasileira, que era o, o modelo do PT, né? E, aí, vem essa visão crítica que eu tenho, porque, sim, a gente conseguiu criar uma coisa muito menor, evidentemente, mas como um contraponto libertário, só que tinha uma série de coisas interessantes nessa história pregressa e que a gente jogou o bebê com a água do banho. Então, eu estou dizendo: “Porra, na história das comunidades eclesiais de base, cara, tem muita coisa legal, do ponto de vista de trabalho de bairro, sabe? No novo sindicalismo, quando a gente vai analisar a comissão de fábrica, outras coisas, tem muita coisa legal e a gente falou assim: ‘Ah, esse blocão a gente não quer nada’”, sabe? E, e a gente acabou, é, deixando tudo isso como se fosse parte dessa esquerda burocratizada, bunda mole, que não quer saber de ação direta, que não quer saber de organização das pessoas pelas próprias pessoas e tal e, aí, a gente vai pra esse outro caminha que acaba, é, se distanciando dessas outras questões que tão ali, no momento pré-PT, que eu acho que tem muita, hoje em dia, né? Acho que tem muita coisa interessante pra se aprender ali, sabe?
Entrevistadores: E a AGP foi pioneira nesse processo de renovação ou você vê, ou isso começou antes?
Felipe Corrêa: Cara, eu acho que teve, do ponto de vista cultural, assim, eu acho que dentro do punk, dentro do straight edge, dentro do que a gente poderia chamar aí de, de contracultura…dentro desse movimento, que a gente poderia chamar de contracultura ou de subcultura, eu acho que aquilo ali começa a pipocar, né? A gente vai ter ali, a partir dos anos…final dos anos 70, ali, as primeiras iniciativas libertárias, ali, [inaudível] vai surgir, por exemplo, jornal, é, O Inimigo do Rei, por exemplo; depois vai reabrir o CCS. Então, assim, aquilo ali estava retomando. Teve ali uma tentativa de criação de um sindicalismo mais libertário, ali, no começo dos, do, aliás, eram os 80, ali, né? E, então, isso vai construindo um caldo, mas eu acho que a AGP, ela é, por um lado, fruto desse desenvolvimento brasileiro mesmo, que é esse campo libertário mais amplo, que começa a se rearticular depois da ditadura e tinha um interesse, né? Eu escuto o pessoal, por enquanto, contando que, no CCS, tinha palestra de qualquer tema lá, pô, e é, sei lá, trezentas pessoas, sabe? Tinha um interesse enorme, assim. Então, por um lado, é esse movimento brasileiro de uma tentativa de busca de alternativas no momento da abertura e, quando o PT começa a entrar cada vez mais dentro da máquina, essa tentativa de procurar uma esquerda mais arejada e tal. Por outro lado, é um momento também em que a gente tem essa globalização, não no caso econômica, neoliberal, mas essa coisa da, do advento da Internet, troca de informações e etc., é, facilidade nos transportes e tal, e que eu acho, pra mim, a AGP é isso: ela é o resultado, por um lado, dessa busca de uma esquerda libertária no Brasil, mas, por outro lado, é também fruto dessa influência de um movimento que estava acontecendo globalmente, que a gente vai importar muita coisa aqui pro Brasil também, sabe? Então, pensando a AGP brasileira, eu acho que ela tem esses dois elementos: tem muita coisa que foi importada mesmo, que a gente pegou e acho que até, às vezes, importou coisa demais; assim, coisa que servia pra outro lugar, não servia tanto pra cá, mas também essa influência, é, de uma tentativa de criar uma alternativa mais libertária de esquerda, que conforme o PT foi se burocratizando, que colocasse como uma oposição, né? Uma coisa que a gente foi vendo, por exemplo, a maneira que o PT estava trabalhando ali o Fórum Social Mundial, por exemplo; então, a gente participou daquela história do Genuíno lá. A gente que articulou. Então, assim, era um pouco essa crítica meio juvenil, assim, mas, é, dum aparelhamento que é uma coisa que, no fundo, é isso que eu estou te falando. Eu vejo essas coisas hoje, assim, têm uma razão. Porque, no fundo, o que a gente estava reclamando ali? Dessa petização completa da esquerda, que hoje é a maior dificuldade pra qualquer um que vá fazer qualquer coisa. Ou seja: você conseguir fugir do guarda-chuva do petismo, né? E acho que a preocupação era essa e continua sendo essa, né? Obviamente não a preocupação em relação à direita, mas a preocupação dentro do campo mais progressista é isso: tudo que você faz o PT põe um guarda-chuva e fala: “Não, se não tá comigo, tá com o inimigo e, se tá comigo, quem dá a linha sou eu”. Então, é o dilema de conseguir criar essa alternativa com o nosso histórico que a esquerda brasileira vem, em sua quase totalidade, de cisões do PT e eu acho que vai precisar ainda de algum tempo pra conseguir, de fato, ter uma, uma ruptura ali, porque eu concordo muito com aquele ditado de que o pessoal brinca, fala que você sai do PT, mas o PT não sai de você, né? Então, tá cheio de gente em outros partidos, em outras coisas, mas todo mundo tem um, ninguém quer muito romper, tem ali os seus contatos e tal e…
Entrevistadores: Voltando um pouquinho para aquela questão que você falou, né? Que você mencionou na autocrítica depois, de jogar o bebê fora junto com a água, como que a questão de classe era tratada no interior da AGP?
Felipe Corrêa: Então, é, basicamente a gente tinha uma crítica a esse reducionismo classista do marxismo, mas isso servia pra gente adotar uma posição que, no fundo, era zero classista, do tipo que eu entendo como um elemento também presente, muitas vezes, no autonomismo, assim, é, a classe perdeu centralidade, não é uma coisa que faz mais sentido falar; é até elitista você ficar falando disso, quando você não compartilha a mesma condição dessas pessoas. Então, a gente adotava um discurso que era baseado na crítica ao reducionismo economicista de classe, desse marxismo mais tosco, assim, que o marxismo mais arejado não pensa assim, né? Então, era esse, é, a crítica a isso, mas, é, por outro lado, em vez da gente pensar um classismo distinto, né? Era simplesmente o rechaço do classismo, né? O que, na verdade, dificultava muito esse movimento de expandir o perfil que, das pessoas que estavam ali dentro da, da AGP, né? Porque…
Entrevistadores: Como era o perfil de classe das pessoas que participavam da AGP?
Felipe Corrêa: Cara, o perfil ali é, como é que eu classificaria, vai? É majoritariamente estudante, né? Uns tantos já trabalhavam, como era o meu caso ali; pessoas, em geral, com um bom nível de instrução, né? Então, era gente que ou iria fazer faculdade ou estava fazendo ou já tinha feito; muita gente de universidade pública, mas não todo mundo; é, do ponto de vista de situação financeira, é, eu situaria assim: é, todo mundo que era de família de trabalhadores ou que se tornariam, né? Essas próprias pessoas, trabalhadores, mas em geral, é, quase nenhum trabalhador precarizado; trabalhador, é, com condições mais, é, difíceis; era uma juventude que, em função da idade também, era uma juventude com algum nível de precarização, assim, mas não uma precarização, era uma precarização momentânea, em função de ser estudante ou em função de ter bolsa ali, mas é tudo gente que, se você for ver onde tá hoje, é gente que – eu não gosto muito do termo, mas é o pessoal mais de classe média mesmo, mas que obviamente ninguém vive de renda, todo mundo trabalha e tal, mas são trabalhadores que recebem bom salário…
Entrevistadores: Bem qualificados, né?
Felipe Corrêa: Bem qualificados e que eu acho, por exemplo, observando isso, não há nenhum problema, mas eu acho que, justamente, é, poderia ter tido uma preocupação de expandir um pouco, sabe? Por exemplo: alguns de nós trabalhávamos em empresas e em outros… poderia ter tido um esforço de juntar outras pessoas, mas aí era onde eu acho que estava essa dificuldade de juntar, sei lá, um tiozinho que trabalhava lá com a gente, sabe? Uma outra pessoa de outro perfil. Era também um pouco essa mistura dos amigos com, é, o perfil da militância, porque é isso: a gente frequentava lugares e isso tem um certo corte de classe ali. Nunca frequento lugares, sei lá, caros, mas, por exemplo, sei lá, a gente costumava sempre sair pra comer um negócio, você é uma pessoa já mais precária, não tem muita condição, né? E aquilo era meio fazia parte do negócio, entendeu? Então, é, eu pensando, né? Já há algum tempo, várias pessoas fora do perfil chegaram e depois foram, né? Depois fiquei imaginando que, assim, esse chegar e sair, assim, talvez tivesse a ver com essa coisa de o cara não se enquadrava muito bem nos papos, né? Era sempre também essa conversa meio de assuntos internos, né? Pra uma preocupação – a meu ver – meio pequena de agregar gente diferente mesmo. Então, era essa coisa que eu considero bem juvenil assim, nesse sentido de que tá bom você ser assim, mas se você tem um projeto político, cara, você tem que fazer um esforço pra trazer gente diferente; você tem que fazer um esforço pra ir em lugar onde você não tá, certo? Para não fazer um tipo de conversa que quem não é amigo não entende, sabe? E isso eu comecei a ver por várias coisas. Todo mundo que eu levava, às vezes, de fora, por exemplo: eu estou com a Camila, minha companheira, faz já mais de 15 anos, né? E sempre que ela ia, assim, ela falava: “Meu, é mó ruim quando a gente vai assim, de fora, porque é uma coisa super hermética, assim, que só quem faz parte consegue entender até as piadas”. Assim eu acho que, depois, eu comecei a pensar, eu acho que era isso que acontecia um pouco ali. Então, ou você fazia parte de tudo e frequentava de noite o lugar e ia na balada e conhecia o Joãozinho, que você ia falar lá; ou você estava fora do círculo, aí…
Entrevistadores: Eu particularmente também tinha essa sensação, porque eu não sou daqui de São Paulo, eu sou de Minas, enfim, é, quando eu vim pra cá, eu fui lá militar no Ay Carmela! e eu tinha essa sensação. Apesar de eu ter participado lá e tal.
Felipe Corrêa: Mas não é isso, uma coisa meio…
Entrevistadores: Mas é, era, sempre eu era meio out, assim, tipo, não por eles, mas é isso, assim. Porque tinha já…
Felipe Corrêa: A panela ali. Que não tem essa preocupação que eu acho que, assim, é normal acontecer aquilo, mas você é sério, do ponto de vista político, você tem que falar: “Pô, o companheiro tá chegando de outro lugar; pô, vamos lá conversar”.
Entrevistadores: O trabalho é contra essa tendência, né?
Felipe Corrêa: É isso, você trabalha contra…que é um pouco essa lógica, sei lá, outro dia eu estava discutindo isso lá na universidade, essa diferença da Igreja Católica com a Igreja Protestante, neopentecostal, sabe? Você entra e sai na Igreja Católica, o cara nem te olha na cara. Você entrou lá [em várias Evangélicas], o cara senta do lado, troca ideia, conversa…Tipo, é esse acolhimento que eu acho que você precisa ter a preocupação e a gente nunca teve assim.
Entrevistadores: E as questões de identidades de minorias, isso era, como era, se tratava?
Felipe Corrêa: Aparece…então, assim, é, aliás, aparece muito mais forte do que classe, por exemplo. Então, eu acho que é, de novo, numa tentativa de criticar o fato de que isso não aparecia em outros grupos, o foco era esse. Sim. Muita preocupação com discussão de gênero – apesar de que isso, à época, era considerado muitas vezes questão das mulheres, não era uma discussão de gênero que envolvia os homens também. A gente mesmo tinha posições que eu acho que eram toscas, assim. Do ponto de vista…sabe? O jeito que lidava com isso era pouco – vejo hoje assim – não, tipo, é, essa coisa: as meninas discutiam feminismo, assim, mas era uma coisa que acho que pouco implementado, do ponto de vista da organização e tal. É, a questão da sexualidade também era discutida, né? E teve, inclusive, um companheiro nosso, que era do CMI e, daí, ele transicionou, né? E a gente conviveu ali, com isso e não teve uma discussão e tinha várias meninas que eram lésbicas e tal. Então, é, essa discussão, só que misturava também com essa coisa juvenil, de festa e curtição. Então, era tudo meio que uma coisa junta, assim, era uma coisa política, mas que também era aquela convivência e também era o pessoal que estava se descobrindo e era tudo meio junto no barco…Então, assim: sim, discussão de sexualidade; sim, discussão de gênero; raça…
Entrevistadores: Raça.
Felipe Corrêa: Pouco…ou, eu diria, talvez nada.
Entrevistadores: E a esquerda, é engraçado, e a esquerda mais tradicional já discutia.
Felipe Corrêa: É. Por isso que eu estou falando.
Entrevistadores: É engraçado…é meio que uma antípoda, né?
Felipe Corrêa: É, é…e já discutia, a gente, assim, um pouco, talvez, questão de movimento indígena…Mas questão… Entrevistadores: Por causa do zapatismo.
Felipe Corrêa: É. Agora, por exemplo, cara, é impossível, né? Hoje, pô, você pensa…você entender Brasil sem discutir questão de raça, tipo, é impossível. E a gente, meu!
Entrevistadores: Passava batido o movimento negro [risos]
Felipe Corrêa: Não, sei lá, é uma causa, que a gente respeita e tal, mas tipo, assim, discutir… discutir legado da escravidão no Brasil que a gente vivia, tipo A discussão que a gente fazia é isso, assim: a gente importava muito essa pauta, principalmente, americana, que tinha lá o seu valor, que era, por exemplo, essa crítica do neoliberalismo. Então, isso, sim, a gente incorporou muito. Agora, a gente não acabou incorporando questões que eram importantes do Brasil, justamente. Isso foi um dos elementos que, assim, tudo bem você bebe na crítica ao neoliberalismo do exterior, mas, é, tem coisas aqui do Brasil que essa, por exemplo, questão indígena, questão dos negros e tal, que, assim, é impossível de…e, aí, nos Estados Unidos, ela aparece marginal, porque 10% da população lá é negra, sabe? Não é a nossa história. Então, isso foi um debate que demorou mesmo pra aparecer assim.
Entrevistadores: Agora, partindo já pra parte final da entrevista, é, você acha que é possível identificar o momento que a AGP acabou?
Felipe Corrêa: Cara, tem vários motivos. Eu acho que a coisa começou a miar – e acho que, se eu não estou enganado, eu não sei se o Pablo fala isso lá no livro, mas talvez fale; não sei se foi de lá que eu tirei isso, mas eu concordei com essa ideia – que é quando deu a merda de 2001 e o assassinato do Carlo Giulianni, a coisa começou a enroscar. Porque isso estava muito vinculado com os Dias de Ação Global e aquilo que se fazia em todo o mundo e os Estados Unidos tinham um papel muito importante, né? Acontece 2001 e os Estados Unidos começam com aquela história das políticas antiterrorismo e, depois, o assassinato do Carlo Giulianni, na Itália, cara, começa a mostrar pra aquela moçada, tal, que era muito do oba-oba, né? Festa na rua e não sei o quê, como a gente fez várias aqui, que o buraco era mais embaixo e que aquilo ali podia ter consequências mais significativas, né? E, aí, eu percebo que, então, por um lado, você tem esse fator, é, externo, que eu atribuiria à repressão, principalmente, no caso dos Estados Unidos, essa política antiterrorismo, que vai se espalhando e a morte do Carlo Giulianni e depois o assassinato também aqui do Maximiliano Kosteki [e do Dario Santillan] na Argentina, que era um movimento de piquetero, mas que não era a mesma coisa, mas era próximo. E aquilo também, é, tem um certo impacto, ou seja, eu acho que o pessoal começa a ver que não era só festa e não sei o quê e fazer escudo e que, porra, começa a ver, por exemplo, aqui no nosso caso, no Brasil, que de vez em quando apanha fodido da polícia, vai preso e rolo e tal. Então, eu acho que tem esse elemento externo, mas tem também um esgotamento interno do modelo, assim, sabe? Então, eu acho que eu interpretaria, por cima, assim, como um participante, desses… tem fator externo e tem esse esgotamento do modelo, assim, ou seja, não conseguiu, por exemplo, no nosso caso aqui, fincar raízes nas demandas brasileiras; não conseguiu essa regularidade; não conseguiu um projeto político que fizesse sentido pra além desse negócio de todo mundo faz a mesma coisa. O projeto da ALCA, que era uma bandeira fundamental, num determinado momento, cai. E, aí, a gente, por mais que ganhe a causa, tipo, perde a principal bandeira de mobilização. Então, eu acho que tem uma mudança das bandeiras que a gente não soube acompanhar, um esgotamento do modelo, repressão, a, esse…
Entrevistadores: Uma geração também que…
Felipe Corrêa: Que vai ficando mais velha e eu vivi muito isso, porque eu já não era tão moleque. Então, eu já trabalhava já…então, pra mim, eu via a molecada, cara, que aquilo que vocês já devem ter visto muito, assim, tipo: quando o cara é jovem, cara, a vida é tudo desorganizada, né? O cara arruma uma namorada, larga os bagulho. Entra na faculdade. Não, aí entra na faculdade, aí não consegue fazer as coisas. No dia que arruma um trabalho então, nunca mais vai conseguir fazer nada, então. Porque é isso. Eu já não, eu já tinha a vida mais assim, uma vida muito ocupada, mas já tinha a minha rotininha: trabalhava, estudava, não sei o quê, mas a molecada eu vi que tinha essa coisa. Então, assim, puta, pegou emprego, acabou, sabe? Aí, depois, o outro não sei o quê, vai viajar e tal. Então, eu acho que teve essa… e teve também esse espalhamento, assim, das pessoas que foram, algumas, criticando o modelo, outras se distanciando e tal, de maneira que a gente olha hoje, assim, o balanço que eu faço é esse: assim, eu acho que, no geral, aquilo politizou muita gente e ninguém que eu olho tá, tipo, no outro espectro, assim, como algumas pouquíssimas exceções, mas, é, todo mundo tá nesse campo da esquerda libertária; alguns se aproximaram mais de partidos, outros foram mais pra esse campo anarquista, outros mais autônomos.
Entrevistadores: Acho que isso até casa com o que a gente ia perguntar depois também, Felipe, que é o que a AGP fez de melhor?
Felipe Corrêa: Cara, o que a AGP fez de melhor, ela reuniu e ela formou, na prática, uma geração de jovens que, é, do Brasil, vai ter uma participação muito significativa nas próximas ondas de movimentação política, né? Então, eu acho que, assim, vão surgir da AGP, em função dessa influência, é, novos movimentos; vários militantes vão militar em outros movimentos – isso aí eu separaria talvez em duas partes, assim: os movimentos que foram criados a partir disso e eu acho que MPL, pra mim, é a maior expressão disso.
Entrevistadores: Você citaria mais algum?
Felipe Corrêa: Então, mas aí aconteceu um outro movimento, cara, que é o seguinte: gente que foi participar de movimentos já existentes, com essa perspectiva. Então, assim: teve toda uma geração de gente que foi participar do MST, por exemplo, com essa formação; do MTST…então, a gente consegue notar, é, do movimento estudantil; então, o que que eu consigo notar, né? Que a AGP, ela criou alguns desses movimentos e grupos, como, por exemplo, é, espaços, aí, como foi o caso, por exemplo, do Ay, Carmela! eu acho que tem muita influência disso, né? Tem, é, outros espaços, mas de movimento mesmo, eu acho que o mais importante é o MPL, mas eu também acho muito importante a participação que essas pessoas vão ter em MST e MTST.
Entrevistadores: Em outros campos, né?
Felipe Corrêa: É, mais recentemente no movimento sindical. Então, por exemplo, pegando ali aquela galera, nós conseguimos notar hoje influência sim no MST, foi grande, hoje em dia deu uma diminuída, mas tem gente que, por exemplo, fez parte desse universo que, porra, foi dirigente até agora do MST. O MTST teve uma época e todo um setor lá, bem libertário e tal e, aí, mais recentemente, por exemplo, tem gente que pegou essa geração aí do MPL, que hoje tá no sindicato dos metroviários, que é um sindicato supercombativo. A gente teve bastante presença, mas tem gente dessa geração aí. Então, é o que eu acho a maior conquista foi essa: formou uma geração de gente que essa geração também formou outras e etc. e a gente consegue notar que, por mais que esse campo autônomo, libertário, anarquista, né? Em lato senso, assim, ele seja ainda pouco expressivo, né? É, em relação ao conjunto da esquerda, eu acho que o balanço que eu faria, nesses 20 anos, é que a gente saiu do quase nada, que eram essas iniciativas superpontuais, pra uma existência concreta com algumas, é…
Entrevistadores: Socialmente reconhecidas, é?
Felipe Corrêa: Socialmente reconhecida, com capacidade de fazer coisas na rua…
Entrevistadores: As ocupações nas escolas.
Felipe Corrêa: Também. É, você lembrou bem. Então, MPL, ocupação de escola pra mim é efeito disso também.
Entrevistadores: Você vê uma conexão.
Felipe Corrêa: Vejo, sem dúvida. Sem dúvida nenhuma.
Entrevistadores: Esses moleques…
Felipe Corrêa: Sem dúvida e… então, até você me lembrou bem, porque, sem dúvida, assim, eu acho que aí, mas aí são essas influências históricas que vão se dando que é isso: eu acho que ali é influência do MPL, é influência de pessoas desse movimento autônomo, que estavam dentro ali do universo secundarista, entendeu? Então, a gente já tem difusão de coisa por Internet e tal, então…
Entrevistadores: Coisa do Chile, né? Parece que influenciou muito aqui, né?
Felipe Corrêa: E Chile, cara, lá tem, tinha um monte de anarquista, né? Na época dos pinguins lá. Então, só que, assim, é, o interessante é o seguinte: sim, a influência foi o Chile, mas quem montou a cartilha aqui, do Chile, foram os meninos – se eu não estou enganado – lá vinculado ao MPL.
Entrevistadores: Ah, foi?
Felipe Corrêa: É.
Entrevistadores: Naquela escola de Pinheiros, né?
Felipe Corrêa: É. O Legume eu acho que teve metido, inclusive. Ou seja: é, eu estou dizendo, e aí? O Legume, por exemplo, hoje tá no movimento sindical, ele é do meu sindicato.
Entrevistadores: Ah é?
Felipe Corrêa: É. Então…dá aula numa escola particular, que é difícil de mobilizar, pequena e tal. Mas, então, eu estou falando assim, eu acho que hoje, a gente tem um espaço que é limitado, mas eu entendo isso e eu costumo entender política muito no longo prazo mesmo. Eu acho que a gente saiu do quase zero pra alguma coisa…é um processo que eu acho que tem que ser assim mesmo, eu acho que…assim, você vai errando, vai consertando e…
Entrevistadores: E Junho, você coloca na conta, de alguma forma? É uma explosão de uma certa…
Felipe Corrêa: É, Junho, o começo, o pontapé de Junho certamente [inaudível] na conta da AGP. Só que, né? Começam a acontecer ali alguns episódios e a coisa se desdobra dum jeito que, na minha leitura, é bem diferente da leitura petista, que eu acho que é tosca, né? Que acha que Junho de 2013 começou o fascismo no Brasil. Eu não acho que seja isso. Eu acho que aquilo inclusive, se a esquerda fizesse um pouco de autocrítica, saberia que aquilo pôs as pessoas na rua. Fato de ser um monte de protofascista retardado é porque aquilo que estava dentro dela. E de algum jeito alguém estava formando essas pessoas que não a esquerda [risos] né? Então, mas eu acho que sim, o começo foi totalmente isso. Só que, depois, o que eu acho que vai acontecer e, aí, eu – e isso é uma crítica generosa, porque eu tenho certeza que, se fosse qualquer outra organização da esquerda de hoje, assim, não teria acontecido a mesma coisa. A organização não conseguiu dar conta do crescimento e eu vejo isso, quer dizer, a gente falava, né? A esquerda, desde, dos anos 80 tá deixando de fazer trabalho de base, de formação e tal. Foi canalizando tudo pro esforço eleitoral. Aí, quem tá formando as pessoas é Rede Globo, igreja neopentecostal e você tem uma massa de pessoas que, de fato, são conservadoras e que o PT fez muito pouco pra modificar, né? Então, não quis entrar em debate polêmico; em vez de qualificar escola pública e pôr nego lá dentro, vai dar bolsa pra estudar em universidade particular, que não faz discussão de política, não trabalha formação sindical; não tá nos bairros…abandonou todo esse tipo de coisa e aí? As pessoas vão sair e aí, pra mim, o que tem de determinante ali, em Junho, é o papel da Globo ali, que eu acho que foi muito inteligente, pro lado deles, que é isso: eles tentaram desqualificar, não deu; entraram na disputa da pauta e, aí, eu acho que eles ganharam…e aí eles começam a pôr gente na rua, que vem com essas insatisfações, criadas pela televisão e tal e o Brasil passa a conhecer uma faceta dos seus cidadãos ali, que estava relegada ao mundo privado e que tinha gente que achava que não existia; tinha gente que achava que era pequeno e, e isso é o começo da…
Entrevistadores: Essa tragédia [risos]…Você acha que…você diria que tem uma plástica, uma estética, um fazer autonomista, que vaza pra essa direita aí?
Felipe Corrêa: Ah, tem. E eu acho que tem um exemplo aí das manifestações de 2013…
Entrevistadores: Porque vira todo mundo autonomista, todo mundo é contra partido…
Felipe Corrêa: Então, é, então…
Entrevistadores: Tem uma…
Felipe Corrêa: Cara, isso aí foi a…
Entrevistadores: Tem uma captura, sei lá.
Felipe Corrêa: Foi o dia que foi…não, porque, em 2013, eu participei de quase tudo ali; cara, foi muito interessante e triste, né, ao mesmo tempo, mas também intrigante…A hora que eu percebi que a merda estava começando a se formar, cara.
Entrevistadores: Quando foi?
Felipe Corrêa: Então…numa manifestação que foi ali, em Pinheiros, cara. E aí eu cheguei lá: “Sem partido!”. Aí, eu: “Caralho, mano!”
Entrevistadores: [risos] [inaudível] “Agora, agora vai!”
Felipe Corrêa: Aí eu falei: “Não, porra!”…[inaudível] massa de gente, né, e tal…Mas aí, cara, começamos…O perfil, né? Da galera…E aí eu falei: “Caceta!”…Daí eu comecei a entender.
Entrevistadores: [risos] Exatamente isso.
Felipe Corrêa: É, porque ali foi a primeira – e depois teve aquela que a gente foi na Marginal, que foi pra ponte, que ali já estava total coxinhada, assim.
Entrevistadores: O sem partido dele não tinha nada a ver com o seu, né? [risos]
Felipe Corrêa: Não, não tinha, entendeu?
Entrevistadores: Tranquilo.
Felipe Corrêa: Então, agora, assim, eu acho que…tanto é que, assim, não sei se vocês acham isso também, mas, assim, o nome MBL é inspirado no MPL. É óbvio. E, assim, num ato, por exemplo, a experiência de ação direta, por exemplo; a experiência de… você priorizar a pauta, por exemplo: qual é a crítica da direita ao movimento agora? “Ai, que tem bandeira do ‘Lula livre’, então não é da educação”? Isso é uma crítica…Que a esquerda autônoma fazia. Então, eu acho que sim, a direita vai se aproveitando desses repertórios e, hoje, a gente tem que conviver com esse…com o fato de existir uma direita organizada e esses repertórios que se dialogam…por exemplo, cara: eu cheguei a ver, sei lá, não lembro se era o Frota ou alguém, justamente, colocando, sei lá, elogiando, não sei se era ele que elogiou black bloc e os cacete…dizer assim: “A gente tem que radicalizar pela direita” e tal. Na época lá, né? E então eu acho que agora o que a gente vai ter é essa disputa e aí, como tudo é relacional, né? A esquerda, agora, vai ter que aprender a lidar com esse inimigo aí e se posicionar em relação a ele. Por exemplo: eu prefiro muito mais uma manifestação sem partido do que com partido, mas em vista da maneira como as coisas tão se colocando…Eu defendo partido. Em detrimento dessa pauta levada à direita por eles, né? Então, você vai se situando ali também. Agora, nesse momento, o desafio mais complicado é esse desafio de enfrentamento da direita. Não tenho dúvida, mas tem uma coisa que a gente tem conversado muito e, entre a esquerda, a gente tem falado que é isso, cara: romper com essa hegemonia petista aí é primordial, assim. Porque isso, assim…
Entrevistadores: É um corredor estreito, né?
Felipe Corrêa: Cara, e até do ponto de vista eleitoral, cara, tipo: eu tenho plena certeza que eles perderam a eleição de propósito, cara. Tipo: sim.
Entrevistadores: Você acha mesmo?
Felipe Corrêa: Não, assim, perderam, eles insistiram, por exemplo, todo mundo via, né? O único candidato a perder nas pesquisas era o Haddad, só que eles tinham um percentual alto de primeiro turno e eles são incapazes de…
Entrevistadores: Ah, sim.
Felipe Corrêa: Eu estou dizendo de fazer uma aliança que eles não sejam a frente e tal…É nesse sentido que eu acho que eles entregaram. Assim, insistir naquela candidatura, eu acho que era admitir a seguinte postura: ou eu ganho ou ninguém ganha da esquerda.
Entrevistadores: Depois de mim é dilúvio, né? [risos] É.
Felipe Corrêa: E eu acho que eles fizeram isso de caso pensado. Talvez pela própria arrogância que não enxergam a realidade e com essa dificuldade que eu entendo, mesmo, assim. Eu sei porque tem gente na minha família do PT que fala: “Pô, mas, sei lá, nós temos 35%, vai apoiar o cara lá que tem 5, porra? O outro que tem 1 ou sei lá quem vai apoiar?” “É, tá bom, mas o problema é o segundo turno”. “Não, não, não, não, nós vamos lá, nós vamos lá, vamos lá”
Entrevistadores: “Nós vamos lá!”
Felipe Corrêa: E aí o antipetismo venceu a eleição, né?
Entrevistadores: Sem dúvida.
Felipe Corrêa: Fosse você e o antipetismo, você vai ganhar [inaudível]
Entrevistadores: Mas eu tenho a impressão que o…que isso foi pedagógico…um pouco pedagógico pro PT, assim. Eu acho que eles sentiram o baque, assim. É, pós-eleição.
Felipe Corrêa: Sentiram, cara, mas, sei lá, eu vi a entrevista do Greenhall [sic] [Luiz Eduardo Greenhalgh] aí – você viu? Ele continua com esse argumento.
Entrevistadores: Ah, não, é, que o Lula é…
Felipe Corrêa: Que é esse assim: “Ah, a gente faz aliança” – vai, não diz nesses termos, mas quem tem mais força entra na cabeça. E é foda, cara. Então, eu acho que, assim, encontrar um caminho também pra enfrentar isso aí num médio prazo, porque a grande verdade é que, pra quem defende, né? Como no meu caso, com a política combativa, luta de classe, etc., o PT joga água, né? O PT é isso: tudo em função do interesse eleitoral, né?
Entrevistadores: Totalmente. [risos] tem alguma coisa que você gostaria de falar que a gente não perguntou?
Felipe Corrêa: Não, cara, eu acho que…
Entrevistadores: Você achou que faltou no roteiro?
Felipe Corrêa: Não, eu acho que tá ótimo, cara. Eu falei um monte de coisa que eu nem tinha pensado, eu falei…
Entrevistadores: Que legal! Que ótimo [risos]
Felipe Corrêa: Não, não, mas é porque vocês não ficaram perguntando coisa que certamente vocês já sabem, mas eu talvez não lembrasse dessa cosia da ordem dos atos, lá de [inaudível] aí, essas coisas eu não lembrava.
Entrevistadores: É, nos interessa muito mais o sentido que as pessoas dão pra, pros fatos do que os fatos.
Felipe Corrêa: Mas vocês acham que adiantou, assim?
Entrevistadores: Pra caramba! Imagina! Lógico. Demais. Essas coisas, essas questões mais cronológicas e tal, a gente…é coisa que nem se pergunta em entrevista.
Felipe Corrêa: Ah, porque é isso que eu não, nem lembrava.
Entrevistadores: Não, e essa, e eu acho que essa reflexão que você fez sobre o autonomismo como cultura política é preciosa pra gente.
Felipe Corrêa: É?
Entrevistadores: De fato, é.
Felipe Corrêa: Que é isso, é uma nova cultura…é isso. Eu acho que teve um monte de coisa legal e umas coisas meio difíceis, que eu, por exemplo, nas coisas que foram criadas depois, trabalhei muito pra mudar, né?