Brazil - Guilherme Falleiros
Interview Details
- Region: South America - Brazil
- Language: Protuguese
- **Interviewee: Guilherme Falleiros
- **Interviewers: Bruno Fiuza & Marcio Bustamente
- Date: January 26 2020
- PGA Affiliation: Casa de Lagartixa Preta
- Bio: Masculino. Branca. 43 anos. Santo André (SP). Antropólogo freelancer desempregado, pesquisador independente e dono de casa.
- Transcript: https://www.dropbox.com/scl/fi/8ua7ybeupxa9zo3o1kp4e/PGA-Brazil-2-Guilherme-Faleiros-Santo-Andr-26.01.2020.docx?dl=0&rlkey=pdwt5wgdk3cri0poixvmi8gxi
Transcript
[Observação: Entrevista realizada por escrito]
Pergunta: Poderia nos contar um pouco da sua trajetória e como se tornou um militante?
Guilherme Falleiros: Salve! Por volta de uns 10 anos de idade (meados dos anos 80, calcula aí, ehehe) já nutria simpatia pelo anarquismo, principalmente por influência do punk, e também uma proximidade com a esquerda por influência de meus pais (bancários) e do clima sindicalista do ABC. Mas iria me tornar punk mesmo muito tardiamente (por volta dos 21 anos).
Meu acesso às ideias anarquistas foi muito fraco no início: através dos compilados do George Woodcock (que nunca foi anarquista), nos quais as posições anarquistas aparecem de forma não apenas superficial mas também ingênua, e era assim que eu via o anarquismo, parecia-me faltar realismo. Não me lembro se foi antes ou depois de entrar na faculdade (Ciências Sociais) que tive contato com o Sociedade Contra o Estado de Pierre Clastres: finalmente uma visão realista diante dos perigos de sedução do poder, embasada em experiências concretas, de povos fundados num modo de vida diferente. Ainda no final do colégio e início da faculdade tive um contato muito forte com o marxismo, que é a linha teórica dominante de esquerda na academia e no ensino brasileiro, e com o movimento estudantil predominantemente marxista, em relação ao qual sempre fui um estranho no ninho, apesar de presente. Cheguei a fazer parte de um grupo de estudos marxista, do qual fui expulso, decisão tomada numa reunião para a qual não me convidaram!
De todo modo, de volta ao punk, minhas primeiras atividades que considerava políticas envolviam organizar sons punks no espaço do Projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo, nos quais eram arrecadados roupas e alimentos para as crianças e famílias assistidas pelo projeto. Junto a algumas amizades desta época fazíamos uma espécie de ação politizadora dentro do movimento punk do ABC, criticando as tretas constantes através da defesa da paz entre nós.
Foi com algumas das pessoas desta organização que me liguei nos movimentos da Ação Global dos Povos em São Paulo. No final de 2001 foi criada uma lista de e-mails (meio de comunicação política da época) para juntar o pessoal da AGP que agia no ABC: “Ativismo ABC”, voltada para ações na região, descentralizando-se da capital paulista. Esta lista daria origem ao coletivo que veio a fundar a Casa da Lagartixa Preta, que se reuniu pela primeira vez num protesto contra a derrubada de um belíssimo casarão histórico próximo ao atual Parque Celso Daniel - o casarão do “Pentágono” - para a construção de um McDonald’s. Grupos diferentes de pessoas se reuniram ali na rua sem se conhecer: um grupo de punks mais envolvidos com a questão da alimentação e saúde, outro grupo punk mais ligado à defesa da história da cidade (fizemos um panfleto bastante espertalhão, colocando o McDonald’s como inimigo de Santo André, ehehe), e um grupo de estudantes da Fundação Santo André que trouxeram uma faixa e vieram fantasiados de Ronald McDonald. Daí surgiu um coletivo de ação direta de rua, que fazia panfletagens sobre contaminação da represa Billings, dentro de trens e trólebus contra o aumento dos transportes (estava longe de existir o MPL), intervenções artísticas bem humoradas em espaços e aparelhos públicos, protestos lúdicos contra o Natal capitalista (uma pessoa fantasiada de Papai Noel, com um saco cheio de garrafas pet, atirava esses “presentes” na cabeça de um grupo de personagens que usavam capacetes de operário) etc. Um ponto alto foi nosso protesto antes do showmício do Lula (então candidato a presidente à frente nas pesquisas eleitorais) na “festa do Primeiro de Maio” da CUT no paço municipal de Santo André: usando aqueles mesmos capacetes, batendo latas e circulando com placas e faixas criticando aquela “festa” que esquecia sua real origem, avistamos de longe um helicóptero descendo no estacionamento, nele estavam Lula, Mercadante e Genuíno, que foram “recepcionados” primeiro por nós, com nossas placas, simultaneamente à chegada dos fotógrafos.
Com a vitória do Lula, os protestos de rua caíram drasticamente e mudamos nosso foco, almejando alugar um espaço nos moldes de um centro de cultura social para colocar em prática experimentos libertários, solidários, de valorização das diferenças e anti-capitalistas (seguíamos princípios da AGP porque misturávamos anarquistas e marxistas naquela época), fizemos um ano de atividades de arrecadação financeira (“Sons Com Causa Pela Casa”) para pagar o seguro-fiança e assim começou a história da Lagartixa Preta, na qual estive envolvido de modo integral até seu fim.
Fora isso, também me envolvi um pouco mais tarde com o apoio à causa indígena, que eu sempre considerei ser uma questão mais efetiva que o próprio anarquismo, tanto através da etnografia com os Xavante no MT quanto dando apoio à distância aos Munduruku, um pouco mais próximo aos Guarani, dando cursos de antropologia para ativistas e participando de mutirões em aldeias. Um dos últimos grandes eventos nesse sentido na Lagartixa Preta foi o Encontro de Povos Contra o Estado em 2016, para o qual vieram Munduruku, Guarani, Tupinambá, diversos quilombolas e também grupos agroecológicos, e a pauta principal naquele momento acabou sendo o desastre sócio-ambiental que tomava conta do país com o governo Dilma, com relatos chocantes de destruição e violência vivenciadas por aquelas pessoas. Depois disso ainda dei aqueles cursos sobre indígenas para ativistas e participei de atividades de bioconstrução em aldeias: nessas atividades ficava patente para mim o equívoco existente entre as perspectivas ativistas e indígenas. Hoje tenho me esforçado para apontar para estes equívocos através do diálogo entre anarquismo e formas políticas ameríndias: quem procura nos indígenas uma identidade racial ou uma pureza primitiva acaba perdendo o que esses povos tem de melhor a nos ensinar - o valor da diferença, da divisão, da transformação instável.
Além disso, também tenho me envolvido timidamente com a questão anarco- sindicalista, dado o momento histórico de desregulamentação, precarização e pauperização com certas semelhanças àquele do início do século XX. Nesse sentido, vale prestar atenção na relação entre anarco-sindicalismo e povos indígenas na história de países como a Bolívia (vide Silvia Rivera Cusicanqui e outras), por exemplo, ou mesmo no sindicalismo da selva dos seringueiros brasileiros.
Pergunta: Como era o contexto de militância quando você começou a se envolver com o tema? (Grupos, movimentos, leituras, temas, correntes, formas de ação, identidades, símbolos, autores)
Guilherme Falleiros: Acredito já ter falado um pouco sobre isso na resposta acima. De todo modo, pode- se dizer que a militância da AGP, principalmente a paulistana, era bastante norte- americanizada, Chomsky era um dos autores queridinhos, Seattle era o grande exemplo (muito mais do que Chiapas), tivemos cursos com uma militante famosa, hoje xamã, esqueci-me do nome (sou péssimo com nomes), de como construir escudos de protesto usando câmaras de pneu de caminhão: como sou ruim com nomes e siglas, não me lembro se era o A20 ou o S26, só sei que aqueles escudos foram um fiasco diante da polícia brasileira, que encurralou e espancou os manifestantes. As duas correntes principais desse movimento da AGP em SP foram a punk, mais suburbana — que fez um grande protesto na Av. Paulista antes da AGP, creio que num Primeiro de Maio — e a da classe média paulistana: o segundo período populista brasileiro ainda não tinha chegado ao auge de uma década e meia depois (com a ascensão de acesso da periferia a internet, bolsas de estudo, incentivos à cultura etc.), então naquela época a organização desses protestos era mais elitizada. Por exemplo, um cartaz chamando para um desses protestos promovidos pela AGP contra a ALCA fazia uma crítica aos “gatos gordos”: uma tradução literal de um cartaz norte-americano onde “fat cat” é um termo que se refere a quem explora o trabalho alheio, mas que na linguagem popular brasileira não tem o mesmo sentido.
No meio punk a influência teórica era mais vaga e diversificada, principalmente em meio à forte cultura do fanzine (o trabalho do Carlão do CCS-SP aborda bastante isso). No ABC também tínhamos um contato muito forte com o movimento punk da América Latina em geral e da Argentina em particular, principalmente através dos projetos do Punk Rompendo Fronteiras e do Mercosul Indie Rock - este movido principalmente pelo Daniel que na época era dos Subviventes e depois seria um dos catalisadores da COBAIN, cooperativa de bandas independentes que geriu um centro comunitário no bairro Sônia Maria em Mauá. Na origem do Ativismo ABC, como já sugerido, também tivemos uma atuação muito próxima ao Projeto Meninos e Meninas de Rua de SBC. Ali mantivemos contato com movimentos de ocupação urbana do bairro Montanhão, com o MST, com o grupo Rotação (que já naquela época levantava a bandeira da “raça, classe e gênero”, coisa que o Ativismo ABC viria a compreender somente mais de uma década depois) - este grupo mais tarde daria origem ao Kilombagem - e de onde vieram pessoas saudosas como Katiara e Deivison (hoje professor universitário especialista em Franz Fanon). Também tinha uma galera dos sindicatos de esquerda mais radicais, como o pessoal do Espaço Socialista, grupo marxista que se posicionava contra as alternativas eleitorais - este também participou ativamente da AGP em São Paulo. O Ativismo ABC participou da organização de dois encontros anti-capitalistas com essa turma toda, um em São Bernardo (no PMMR-SBC) e outro em Santo André com debates, rodas de conversa, oficinas etc., nos primórdios do coletivo.
Pergunta: Quando e como você ficou sabendo da existência da AGP?
Guilherme Falleiros: Foi por volta de 2000, 2001, através do movimento punk. Assumi seriamente os princípios da AGP naquela época, que eram bem amplos, e o adaptamos ao Ativismo ABC - com a diferença que nós tínhamos “membros” e a AGP, supostamente, não.
Pergunta: Como você se envolveu com a AGP? De quais mobilizações convocadas pela AGP você participou?
Guilherme Falleiros: Participei de uns dois ou três protestos da AGP, organizei ativamente o Anti-BID (levamos um ônibus com a bateria do Eureca, do PMMR-SBC) e também da organização do Encontro Autônomo em 2003, que foi um dos pontos finais da AGP em SP. Naquela época eu trabalhava como estagiário em um grupo educacional privado e não conseguia ir a muitos dos protestos que eram marcados durante dias de semana na Av. Paulista. Estava mais focado nos protestos do nosso coletivo no próprio ABC.
Pergunta: A AGP contribuiu para o estabelecimento de relações de movimentos e coletivos brasileiros com grupos de outros países? De que maneira?
Guilherme Falleiros: No meu estreito ponto de vista, as conexões com outros países que eu via na AGP (apesar de eu mesmo ter estudado um pouco como o movimento se organizava na Europa) eram principalmente com os EUA, através da galera da capital paulista.
Pergunta: Havia tensões entre os movimentos do Norte e do Sul? Em caso positivo, o que causava essas tensões? Diferenças de cultura política? Diferenças de acesso a recursos? Como a AGP lidava com essas diferenças?
Guilherme Falleiros: Estávamos muito imersos no nosso próprio contexto do ABC - ao menos eu - para ter uma visão do movimento por todo o país. Para nós do ABC, as tenções principais eram entre ABC e capital. Acho que já sugeri um pouco dessas tensões nas respostas acima.
Pergunta: A AGP contribuiu para a renovação das lutas anticapitalistas no Brasil? De que maneira?
Guilherme Falleiros: Sem dúvida! Foi uma grande renovação dos protestos de rua, que - exclusive os protestos punks - tinham decaído bastante desde o movimento teleguiado dos “caras pintadas” no início dos anos 90. Vejo a AGP como uma inspiração ao MPL, por exemplo. Muitas das pessoas ligadas a essa movimentação no ABC que mencionei estiveram na fundação do MPL-ABC, de curta e conturbada história, do qual também participei. Também renovou pautas “autonomistas” (já me preparando para a próxima pergunta), como a questão da ecologia.
Pergunta: Como você define ou o que entende por “autonomismo”? (Revolução, Utopia, relação com Anarquismo)
Guilherme Falleiros: Vejo o autonomismo como um tipo de movimento que também pode ser anarquista - mas havia grupos marxistas, principalmente um no Ceará do qual agora não me recordo o nome, que também esteve no Encontro Autônomo -, voltado para a autogestão, apoio mútuo, criação de comunidades que procuram ser auto- sustentáveis e anti-capitalistas. Em relação ao anarquismo, foi um movimento durante o segundo ciclo populista brasileiro, distante do sindicalismo (visto como pelego), uma tentativa de criar e valorizar modos de vida que tentavam ao máximo se descolar do capitalismo e se conectou com questões agroecológicas e também indígenas.
Pergunta: Como a questão de classe e as questões de identidade e/ou minorias eram tratadas no interior da AGP? Como essas dimensões se interpenetravam?
Guilherme Falleiros: Estas questões eram tratadas de modo superficial na AGP-SP, pelo menos do meu ponto de vista pautado no convívio, aqui no ABC, com aqueles grupos mais periféricos e racializados acima mencionados. Aliás, a renovação do feminismo mais ou menos no final da época da AGP se deu através de diversas tensões. Para além disso, ainda acho que a questão de classe ao longo de todo os últimos 20 anos foi tratada de forma superficial, focada no estilo e no consumo, desatenta à luta entre proletariado e burguesia concebida como proprietária dos meios de produção. Isso se deve muito à política de conciliação de classes promovida pelo populismo petista, tanto quanto sua política de inclusão social pelo consumo. De todo modo, em defesa da AGP, deve-se dizer que a ALCA era vista como uma forma de dar liberdade de circulação ao Capital mas não à classe trabalhadora. O Ativismo ABC levantava esse tipo de pautas em seus protestos aqui na região: no já mencionado showmício de Primeiro de Maio da CUT com a presença do Lula em Santo André (2002), levantamos placas sobre a questão trabalhista e também da desigualdade de gênero no trabalho.
Pergunta: É possível traçar um perfil de classe dos integrantes dos grupos que participaram das iniciativas da AGP no Brasil?
Guilherme Falleiros: Acredito que esta questão já está respondida acima: havia uma presença mais alta da classe média com acesso a informações estrangeiras (principalmente dos EUA) nos grupos paulistanos, enquanto que os grupos do ABC eram mais diversificados. Quanto aos punks que foram o grosso da formação do Ativismo ABC, eram principalmente de classe média baixa.
Pergunta: É possível identificar o momento em que a AGP acabou? Quando foi esse momento?
Guilherme Falleiros: Eu diria que, em SP, ela acabou com a vitória eleitoral do lulismo, tendo sido realizada uma última reunião em 2003 - talvez em 2004 - na qual estiveram umas 3 pessoas, eu, o Takahashi e outro compa. Confira com o Taka a data desta exata desta reunião…
Pergunta: Por que a AGP acabou?
Guilherme Falleiros: Os anseios de massa que ela representava, de certo modo, foram incorporados (ou cooptados) pelas políticas do PT no governo.
Pergunta: O que a AGP fez de melhor?
Guilherme Falleiros: Renovar os protestos de rua na virada do século, trazer a bandeira do anti- capitalismo, apontar para o autonomismo, levantar questões importantes de comunicação e segurança virtual com uma grande difusão de conhecimentos informáticos e também de tecnologia da informação - que agora foram perdidos para a era dos celulares e da internet controlada por grandes corporações. E também renovar o internacionalismo.
Pergunta: Quais foram os principais desafios enfrentados pela AGP?
Guilherme Falleiros: Posso pontuar os desafios organizacionais, através de reuniões constantes, e da manutenção das propostas tiradas pelos coletivos que participavam das reuniões na hora de colocá-las em prática nos protestos que acabavam sendo tomados por uma massa mais ou menos desconectada da organização realizada nas assembleias. Para isso eram tirados comitês de segurança e linhas de frente que tentavam, por um lado, conter certos comportamentos de massa mais agressivos (que serviam como pretexto para a violência da repressão) e, por outro, conter o aparelhamento promovido pela esquerda institucional com seus grades carros de som.
Pergunta: Quais foram as maiores fraquezas da AGP?
Guilherme Falleiros: Acredito que o foco nos protestos de rua foi sua grande fraqueza, com pouca atenção a outras estratégias e táticas, ainda que apontando para alternativas autonomistas. Esta posição não é só minha, foi compartilhada pelo Ativismo ABC na época.
Pergunta: A AGP deixou um legado? Qual?
Guilherme Falleiros: Acho que isso foi pontuado acima: MPL, autonomismo, ecologismo e até movimentos de ocupações urbanas foram influenciados. Eu diria também que diversas tendências anarquistas — clássica, autonomista, primitivista, especifista — ganharam maior fôlego no Brasil após a AGP. Este fôlego foi grande até 2013, que foi o auge de um certo momento confederativo do anarquismo brasileiro em contato com o internacional, principalmente em meio à organização da Feira Anarquista de SP.
Pergunta: A AGP influenciou mobilizações e/ou organizações posteriores no Brasil? Quais e de que forma?
Guilherme Falleiros: Idem.
Pergunta: Você vê alguma relação entre a AGP e Junho de 2013? Quais?
Guilherme Falleiros: Sim, dado que a AGP influenciou o surgimento do MPL.
Pergunta: Como você descreveria as Jornadas de Junho?
Guilherme Falleiros: Enquanto a AGP despontou no Brasil na metade do segundo ciclo populista e antes de Lula, as Jornadas de Junho marcaram o início da falência deste ciclo, falência causada pelas próprias limitações da conciliação de classes promovida pelo governo. Houve uma origem anárquica nestes protestos, baseada fundamentalmente nos protestos contra o aumento do preço das passagens de transporte público, mas dada a crise do populismo de esquerda, as sementes lançadas em Junho foram capitalizadas por grupos de direita de natureza elitista, como MBL. Não confunda com MPL! Essa confusão entre MPL e MBL é uma arma dos políticos populistas para desqualificar a crítica anarquista feita às suas práticas que jamais abandonaram a conciliação de classes. Lembrando que conciliação de classes não tem nada a ver com juntar pessoas de classe média e baixa no mesmo coletivo mas sim em priorizar políticas de cúpula com os grandes proprietários, grandes bancos, empreiteiras, agronegociantes, latifundiários, pastores fundamentalistas, donos de instituições privadas de ensino superior etc., dando migalhas para uma população pobre que com elas passou a ter um acesso ao consumo de mercadorias (ver Lulismo e Cultura Anti-Crítica do Ab’Saber).
Pergunta: Esses protestos foram nacionais ou fizeram parte de uma rede internacional? Como e por onde se deu a difusão para o Brasil?
Guilherme Falleiros: As conexões entre protestos internacionais e nacionais deve ser analisada de modo complexo, cabe aí uma pesquisa por ser feita (e que a mim interessa, o que daria uma outra conversa, para o futuro). As ondas de transmissão desses protestos por todo o mundo se efetivaram em realidades locais bastante diferentes, em momentos e ciclos políticos nacionais distintos mesmo dentro da América Latina.
Pergunta: Quais as principais disputas que você percebeu nas ruas e na web?
Guilherme Falleiros: Nas bordas de Junho de 2013 o Ativismo ABC, coligado a diversas pessoas frequentadoras da Casa da Lagartixa Preta e a movimentos de esquerda do ABC, já percebia a potencial ascensão da direita nos protestos, dada a presença do nacionalismo verde-amarelo, que era um dos poucos sentidos de “coletividade” da maioria da população. Nossa atuação nos protestos foi para alertar para isso, com o panfleto crítico “O Zumbi Acordou” e também com um panfleto no qual pontuávamos, através de uma tabela dividida em três, as diferenças entre Anarquismo, Partidos de Esquerda e grupos de Direita. Mantendo esta posição, conseguimos colaborar diretamente com a organização de um dos únicos atos de rua no ABC no qual não havia a presença de bandeiras nacionalistas: este ato foi organizado por nós juntamente com grupos de esquerda (alguns partidários, especialmente partidos marxistas mais radicais), o pessoal do Projeto Meninos e Meninas de Rua de SBC e o Comitê Contra o Aumento* (*do preço das passagens de transporte público). Infelizmente este ato, que deu um giro totalmente pacífico por toda São Bernardo, terminou com grande violência estatal promovida no centro desta cidade no momento da dispersão do ato. Eu e outras pessoas do coletivo corremos a pé até Santo André. Cabe enfim pontuar que não estou defendendo o pacifismo: isso era uma questão tática, de modo a evitar revides estatais cuja violência é sempre desproporcional.
Sobre as redes sociais virtuais, gostaria somente de notar que elas foram muito úteis durante os protestos em si, em termos de segurança para ativistas. Num desses momentos, enquanto minha companheira estava protestando nas ruas da capital, após sair do trabalho, e eu fazendo trabalhos no computador de casa, eu estava atendo às notícias que se difundiam autonomamente pela rede virtual a respeito das movimentações táticas da repressão violenta e transmitindo essas informações em tempo real para a galera que estava lá. Assim como eu, várias pessoas fizeram isso naquele momento, isso salvou muita gente.